A última ceia
Português, desempregado, 45 anos de idade. Quando finalmente conseguiu um "part-time" como homem-sanduíche, chegou a casa e deu-se de comer aos filhos.
As coisas em que a gente acredita quando é miúdo! Eu, por exemplo, acreditava piamente que o Menino Jesus era português, nosso - morra já aqui se estou a mentir. Eu ia à missa, ajudava, ouvia com gosto aqueles bocadinhos de Bíblia e fazia a conexão que se impunha: se Nossa Senhora é de Antime, se São José é no Lombo, se os pastorinhos são de Fátima e a Samaritana é de Coimbra, se o Moisés é de Fafe e o Abraão também, se o João Baptista tem altifalantes e faz funerais, se os apóstolos são todos portugueses, sobretudo pescadores da Póvoa e Matosinhos, é só ver os nomes - João e Tiago, filhos de Zebedeu, Pedro, André, Filipe, Mateus, Tomé, Bartolomeu, e por aí fora -, se o Jordão é em Guimarães e o Calvário é à beira do posto da Polícia de Viação e Trânsito e do Hotel, se a Avenida de Roma é em Lisboa, se Nazaré e Belém são obviamente em Portugal, se Damasco é alperce, se até o Espírito Santo saiu à casa, então o Menino Jesus também é daqui, aqui nasceu e cresceu, por aqui andou, faleceu e ressuscitou, também é português, um de nós. Deus é nosso. Se Deus quiser, até joga pela Selecção. Era o que eu pensava. Já grande, e após alguns anos de desengano e reeducação religiosa no seminário, passei a olhar com um certo carinho e determinada melancolia para esta minha crença infantil e patriótica. Depois veio Cavaco Silva, em 2006, e eu, após profunda reflexão, deixei finalmente de acreditar, regra geral. Dediquei-me à exegese, à hermenêutica, à toponímia, à topogígia, à geografia e à natação sincronizada sob chuveiro, sem ofensa para os presentes e apenas aos terceiros sábados de cada mês, de três em três meses, dez minutos antes de me deitar. E é hoje.
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