domingo, 20 de abril de 2025

Posso pedir um disco?

O último pedido
Vinham o padre, o presidente da câmara, o chefe da polícia e o doutor juiz. O carcereiro, que vinha também, desatarraxou a porta da cela e o director da prisão, na boa, informou o condenado: - Tens direito a um último pedido. O condenado pensou um bocadinho e disse: - Pode ser "A mula da cooperativa", do Max?...

A primeira jukebox de todos os tempos entrou em funcionamento no "saloon" Palais Royale, de São Francisco, EUA, no dia 23 de Novembro de 1889. A Fafe, as primeiras jukeboxes deverão ter chegado no final da década de sessenta do século passado, com as barracas de matraquilhos que se instalavam por baixo da Arcada, mais central era impossível, pelos 16 de Maio e pelas Festas da Vila. Havia um brilhantíssimo grupo de jovens fafenses,  bem mais velhos do que eu, que dava excelente uso à novidade. Dessa malta porreira fariam parte, se não me engano, o Berto Dantas, tio, o Eduardo do Retiro, Eduardinho, o Mesquita, creio que o Mané, Dr. Mané, o Jorge Lem, se era assim que se chamava, o Jorge Barros, filho do Nelinho, bissextamente o Ginho Cardoso e não tenho a certeza se o Bi Valente, gente assim desta categoria, e estou decerto a esquecer alguém ou alguéns e talvez a confundir nomes. Eram a vanguarda de Fafe. Eu admirava muito estes tipos cheios de classe, seguia-os sempre que podia, distâncias à parte, uma vez até me levaram com eles para um jogo de futebol que foram fazer a Felgueiras, não sei a que propósito, e no fim ainda tiveram a bondade de convidar-me para a almoçarada no primeiro-andar da Juditinha, evidentemente depois do Bertinho ter pedido por mim à minha mãe.
Mas tornando à maquineta dos discos, que mais tarde haveria de exibir também videoclipes, aliás de muito duvidosa qualidade, artística e técnica. Aquela rapaziada, já com algum mundo, tinha fino gosto musical e conhecia o que, regra geral, em Fafe ainda não se sabia. Acredito que me educaram o ouvido, entre alguns outros a quem o devo. A escolha na jukebox era muito limitada, pindérica, a ementa ao dispor consistia quase só naquilo a que hoje costumamos chamar música pimba. "O autocarro do amor" - de Os Taras e Montenegro, por onde andava um moço chamado Quim Barreiros - tocava de manhã até à noite, num despique fratricida e interminável com "Eu te amo, meu Brasil", de Os Incríveis. Uma xaropada insuportável, um atentado às orelhas de qualquer um, nem que não as tivesse ou por mais moucas que elas fossem. A minha sorte é que os rapazes do bando do Bertinho, chamemos-lhes assim, faziam questão de destoar da ignorância geral e caprichavam na evangelização, pondo a tocar, de forma paciente e cirúrgica, Beatles, obrigatoriamente, um cheirinho de Rolling Stones, Sheiks, Nat King Cole, que eu desconhecia, Sinatra, Joan Baez, Bob Dylan, Neil Young, Beach Boys, Mungo Jerry e "In the summertime", Scott McKenzie e "San Francisco", Los Bravos e "Black is black", lembro-me também da poderosa versão de "I'm free", da ópera rock Tommy, dos The Who, com a London Symphony Orchestra, e sobretudo, e estou-lhes tão grato por isso, ensinaram-me a inestimável "Eloise", de Barry Ryan, que ainda hoje ouço com prazer e nostalgia.

Assim que tal, as festas acabavam, as barracas eram desfeitas, as jukeboxes iam-se embora e a minha vida entristecia. Sobrava-me o rádio e Quando o Telefone Toca, do Matos Maia, e era preciso dizer a frase.
Os 16 de Maio agora são Feiras Francas e as Festas da Vila, graduada em cidade, chamam-se Festas do Concelho ou Festas de Fafe, já não sei bem, as barracas dizem-se "pavilhões", muita água passou entretanto por baixo das pontes e carros por cima então nem se fala. É tudo muito sofisticado e cosmopolita, mas os discos de vinil estão outra vez na moda e a música pimba parece que também.
Por outro lado. Os matraquilhos foram inventados pelo galego Alexandre Campos Ramires ou Alexandre de Fisterra, que também era editor e escritor. O nome mais bonito dos matraquilhos é, digo eu, pseberico. Assim se falava pelo menos em Fafe.

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