Isto das idades realmente
O quarentão é a média de todos nós. O cinquentão começa a desconfiar da vida. O sexagenário passa a constar das notícias. O septuagenário anda em contramão na auto-estrada. O octogenário é porque se safou no acidente. O nonagenário quer que os quarentões, os cinquentões os sexagenários, os septuagenários e os octogenários se fodam e refodam. O centenário só se realiza de cem em cem anos, e está certo.
Habituei-me. Sempre que pude na vida, dormi a minha soneca no chão do campo, do monte e até da praia, se pela fresca da manhã e com a praia só para mim. Casei e fui morar para a Foz, no Porto: a casa dos meus sogros tinha um quintal-jardim que era um mimo, e era ali que eu me estendia, no cimento do caminho ou na relva do coradoiro, em tardes e noites de suar em bica. Depois bebia uma ou duas garrafas de espadal bem fresquinho, e já estava em condições de ir para a cama...
Agora, moro há mais de trinta anos em Matosinhos, com o mar a passar-me à porta e a enrolar na areia, mas custa-me muito a deitar, ainda por cima no chão, que me fica cada vez mais longe, e preciso de um guindaste aqui do Porto de Leixões para me levantar. Mas não resisto: de quando em quando, dá-me para a toléria - é a idade -, ponho o capacete e, em quatro ou cinco movimentos muito complicados e perigosos, às vezes doze, consigo deitar-me no chão da sala, com muitos ais! e muitos uis! pelo meio, os ossos rangendo, a cabeça a ourar e a televisão ligada só para que o som me faça companhia e me disfarce os queixumes. Às tantas a Mi entra, assusta-se comigo ali esparramado no lamparquet com vinte anos de garantia e grita: - Ai, valha-me Deus, que ele morreu, coitadinho! Que é da motorizada, homem?...
E eu, de olhos fechados e mãos cruzadas sobre o peito, só me falta o terço: - Chama mas é a polícia, mulher, que a culpa foi do outro...
Moral da história: este frio, será do tempo?
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