domingo, 29 de junho de 2025

Era fresca e doce

O génio da água destilada
Tinha um comportamento aparentemente excêntrico em dias de invernada: saía à rua com o guarda-chuva aberto mas virado ao contrário. As pessoas riam-se. Não sabiam que ele era recarregador de baterias...

No Verão da minha terra, no Verão antigo, umas abençoadas senhoras andavam pela caloraça das feiras e romarias vendendo copos de água de mina adoçada com açúcar amarelo e um remoto gosto a limão. Não era limonada, atenção, era exactamente o que eu digo: água fresca com duas ou três colheres de açúcar e talvez uma casca ou somítica rodela de limão. E não havia gelo. Na vila de Fafe, às quartas-feiras, dia de mercado semanal, pelos 16 de Maio ou pela Senhora de Antime, a "mina" era a bica da poça do Santo, do meu Santo Velho, que ficava ali à beira e era só comodidade. Em cima da cabeça, as despachadas senhoras, equilibristas que remédio, levavam uma rodilha e por cima da rodilha, consoante o uso dos sítios, uma bilha de barro ou um cântaro de lata revestido a cortiça, para conservar a frescura natural. Anunciavam "Fresca e doce!", a água, e desatavam a fugir, de socos na mão e pés descalços, mal se precatavam da presença, ainda que distante e distraída, do perigosíssimo fiscal da Câmara. E o povo, coitadinho, morria ali à sede. Ou então metia-se no vinho, que era o mais certo.
Fafe funcionava assim. Eu, que nunca provei pirolito, por falta de dinheiro e de coragem para assaltar o Banco, que era apenas um e por isso se dizia com letra maiúscula e ficava entalado entre o Martins Relojoeiro e o Nelo da Electra, eu, que só sabia dos gelados nas mãos dos outros, bebi uma ou duas vezes um daqueles copinhos, evidentemente mais em conta e decerto prenda extraordinária já não sei de quem nem porquê. E quereis saber? Era realmente fresca e doce, a água, como dizia a publicidade popular, e, palavra de honra, soube-me pela vida!

Já quentes e boas eram as castanhas, assim chamadas derivado à própria cor. No último Inverno por acaso até só foram quentes, às vezes nem isso, de resto apresentaram-se geralmente uma boa merda - secas, bichosas, bolorentas até. Mas ao que interessa: o pregão era, e ainda é, "Quentes e boas!", ou, como também se dizia em Fafe, "Castanhas assadas a vapor, ó que boas, ó que boas!..."
Quereis saber mais? Quem as vendia, às castanhas, ali no Santo Velho à beira do tasco do Zé Manco, era a Maria Barraca, que morava com as Ferreira Leite, na casa de rés-do-chão e primeiro andar quase em frente, isto antes de juntar dinheiro para abrir uma lojinha de plásticos e outras utilidades caseiras, uma portinha apenas, um bocado mais abaixo na Rua Monsenhor Vieira de Castro, um pouco antes do Ponto Final, mas do outro lado, encostada ao casarão do ricaço e benemérito encartado Zé de Freitas que desapareceu não sei para onde e hoje em dia parece que é o supermercado do Aldi. O casarão. Quanto à Maria Barraca, casou-se. Tarde, era o que constava, mas decerto muito a tempo.

Naquele mesmo correr, no terreiro do Santo face à estrada para o Picotalho, aproveitando a passagem obrigatória do povo em barda que trabalhava na Fábrica do Ferro, montavam banca também a Mocha e a D. Filomena, sardinheiras de categoria, e a Marrequinha da Recta, que curtia e vendia tremoços. Os tremoços da Marrequinha gozavam de muita fama e tinham um segredo. Dizia-se que eram a especialidade que eram porque a boa senhora lhes mijava regularmente durante a demolha.

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