segunda-feira, 23 de junho de 2025

Do Costa Pacifica ao Costa do Assento

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Foi má ideia aquele letreiro à porta do consultório - "Proibida a entrada de animais". Era um veterinário...

Moro mesmo em frente ao mar, se for para a varanda e me puser de lado. A minha rua é o oceano. No meu quintal estacionam regularmente navios de passeio mediterranicamente atlânticos, paquetes carregados, descarregados e outra vez carregados de turistas rotundos e supersónicos que conseguem turistar o Norte de Portugal inteiro em menos de oito horas. Há quem chame ao meu quintal, por inveja ou ignorância, Terminal de Cruzeiros do Porto de Leixões. Mas não: é o meu quintal e mais nada.Noutro dia parou ali em baixo o Costa Pacifica, um colosso. São quase trezentos metros de navio para 3.780 passageiros. E sabeis que mais? Eu vim de Fafe, uma terra evidentemente sem comparação, ainda para mais agora que também tem mar, basta ir à Barragem, qualquer dia começam a aparecer aí os navios, e, Costa por Costa, estávamos melhor servidos, tínhamos o Costa do Assento, que tocava concertina, uma vez deu na televisão a apoiar o General Ramalho Eanes e também era uma categoria de pessoa, não desfazendo. O Sr. Costa tinha tudo de bom, tirante o feitio: foi meu vizinho, bombeiro valente e lavrador de primeira apanha, "veterinário" autodidacta, espécie de curandeiro, endireita e parteiro dedicado em exclusividade ao gado sobretudo vacum, tocava e mandava no rancho folclórico, ensinava viras, malhões e jogo do pau, era casado com a boa Senhora Rosinda e pai do Zé e do Lando, jóias de moços que lhe herdaram as artes, e pegava assiduamente no andor da Senhora de Antime.
Chegam, os turistas, e afigura-se-me que vieram para um congresso de cus na Exponor. Vê-los logo pela manhã é um espectáculo que não pára de maravilhar-me. Porque, conforme eles vão saindo, o barco vai subindo, fica mais alto, airoso, aliviado, parece-me. Depois, à tarde, regressam, os turistas, embarcam de requitó, pós-doutorados em sardinha assada e vinho do Porto, vão entrando e o barco começa a dar de si, amoucha, encolhe-se, queixa-se, parece-me, larga dois ou três lamentosos arrotos, zarpa devagar, devagarinho e não percebo como é que não se afunda.
Naquele tempo, nos tempos áureos do Costa do Assento, turistas éramos nós, os putos de Fafe, lingrinhas de pé descalço e pila ao léu, em sorrateiras escapadelas até às recônditas estâncias balneares do Poço da Moçarada, do Comporte ou de Calvelos, de onde, por norma e tradição, éramos sacados a ganir, puxados por uma orelha. A minha mãe parecia que tinha radar, e, uma desgraça nunca vem só, sabia sempre por onde é que eu andava e o que fazia. Que se segue? Os paquetes que agora me batem regularmente à porta chegaram tarde à minha vida, eu preferia tê-los visto atracar à poça do Santo ou à ponte do rio de Pardelhas, mas mais vale tarde que nunca, e mesmo agora dão-me bastante que pensar, suscitam-me reflexões de pequena e média profundidade que, não raro, gosto de partilhar. E daquela vez, olhando para o imponente Costa Pacifica, vieram-me à cabeça os cus. Os cus que os cruzeiros descarregam e recarregam.
Cu de turista não é brincadeira. É traseiro de bitola larga e se for cu americano então ocupa o mundo inteiro ou ameaça ocupar. Até parece que para se ser turista - turista diplomado - é preciso ter um cu daqueles. E o cu alemão e o próprio cu inglês também para lá caminham, não querem ficar atrás. O que diz tudo a respeito dos cus. Imagino que sejam muito ricos os camones com que me cruzo nas bordas do Porto de Leixões. Tão turistas e tão prendados de cu, serão decerto milionários. Engordam e viajam porque podem. E podem muito. Os cus precisam de arejar.
Na minha rua passa o mar. E, afinal, é porreiro ver navios. Por causa do Costa Pacifica, lembrei-me do Costa do Assento. Se quereis saber, ganhei o dia.

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