sexta-feira, 20 de junho de 2025

Turismo de carregar pela boca

A perna extra
"Fiambre da perna extra", como diz a etiqueta do produto, faz lembrar a "quinta pata do cavalo". O que, convenhamos, é desagradável.

Nos preguiçosos semáforos do frequentadíssimo cruzamento de Valença, na Estrada Nacional 13, como quem vai mas não vai para a estação da CP, dois indivíduos vestidos à empregado de mesa distribuem panfletos aos ocupantes dos carros que param desprecatados e de vidros abertos. À empregado de mesa, quero dizer, com sapatos desengraxados, calças pretas sebosas e camisas que parece que já foram brancas. São propagandistas, angariadores, embora não aparentem. Serão talvez empregados de mesa, mas em comissão de serviço. Serviço externo. Os panfletos com letras azuis e tamanhos desaparelhados fazem reclame a um restaurante, a uma churrasqueira, ou mais concretamente a um "asador", como lá diz em título garrafal, e justamente "asador" à espanhola ainda que o estabelecimento se localize em pleno território nacional, a largos três quilómetros da antiga fronteira com Tui e "com amplo parque de estacionamento", mas é assim que as coisas são. E uma coisa desta categoria e dimensão haveria de ter dado imenso jeito no tempo em que o meu avô da Bomba organizava sensacionais excursões fafenses ao Alto Minho, dois-dias-dois, e se fosse a Fátima eram três, porque Portugal era realmente muito longe de si mesmo.
Duas das principais especialidades da casa, do tal "asador", são o "pollo na brasa" e a "costilla de cerdo". Para além dos mais emblemáticos pratos da cozinha tradicional portuguesa, do cozido e da picanha aos diversos bacalhaus e pescada cozida com todos, passando pelo cabrito, pelo leitão, pela vitela, pelo arroz de tamboril e pelo polvo, e com capacidade para 400 - sim, quatrocentas - pessoas, há também "francezinhas, pizzas e hamburguers". É a promessa de todo um mundo, posto que regional e com ar condicionado. A quem aceitar o papelinho no cruzamento e se apresentar com ele na mão, o imenso restaurante diz que regala "una botella de viño para levar p/ casa".
Enquanto isso, duas da tarde, o sol a pique nos semáforos do cruzamento cosmopolita. Um dos dois emissários do "asador" farto, generoso, climatizado, bilingue e extraordinário, numa palavra, pantagruélico, um dos dois desgraçados, por acaso o mais velho, abre um pequeno saco se papel castanho que trazia no bolso das calças e rapa de um lanche já encetado. Dá uma, duas dentadas e volta a guardar a sande pré-fabricada e dura no saco gorduroso e nas calças sebentas. Limpa a boca com as costas da mão, sacode as migalhas da camisa suada e continua a distribuir papéis. Assim, a seco.

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