Assim e assado- Há dias assim.- E dias assado?- Assado? Foi tempo...
É. Eu sou muito religioso, embora amiúde não pareça, e levo a comida muito a sério, mas isso já se sabe. A honesta vitela assada à moda de Fafe até poderá ter os dias contados, porque os comedores de rúcula e outros tofus ainda nos vão proibir o consumo de carne, mas, enquanto não é crime, eu faço questão que a deixem em paz. Uma simples rodela de laranja a enfeitar, ainda que com a melhor das intenções, pode deitar tudo a perder.
E por isso digo e redigo: não mexam na nossa vitela assada! A vitela assada à moda de Fafe é o que é. É à moda mas não há modas. É, sem tirar nem pôr. Não tem variações, não admite inovações, dispensa recriações ou até interpretações. É vitela assada à moda de Fafe. Tal e qual como a recebemos dos nossos avós e dos avós dos nossos avós. Assim.
Sei muito bem o que fizeram à lampreia. A lampreia é, para mim, o supra-sumo da melhor gastronomia alto-minhota. Uma gastronomia apurada, robusta, variada, generosa, com personalidade, como eu gosto e como é, no geral, toda a honesta cozinha tradicional portuguesa. Há o arroz de lampreia, há a lampreia à bordalesa. E até admito mais duas ou três bondosas variantes (como a lampreia fumada, a lampreia recheada ou a lampreia assada), mas que, não desmerecendo, já não me são a mesma coisa. Eu fico-me pela arrozada a fugir do prato a todo o vapor e pela bordalesa intensa e substancial - embora, como a maioria dos portugueses, já só coma lampreia praticamente de memória.
No Alto Minho, a lampreia é justamente considerada "um prato de excelência" e de tradição. Sim, de tradição. "Para confeccionar um produto de qualidade com paixão e arte, nada melhor que as mãos de afamadas cozinheiras que receberam os testemunhos e segredos de gerações passadas, com raízes na ancestral tradição culinária do Vale do Minho", lia-se, uma vez, num opúsculo que chamava visitantes e promovia o consumo do apreciado ciclóstomo nos restaurantes da região.
E até aqui tudo bem. Só que, na capa do tal prospecto, a lampreia era apresentada num empratamento aguado e triste, desenxabido, somítico, obra certamente de um daqueles famosos jovens chefs da televisão que não cozinham nada mas têm muito jeito para as artes plásticas. Resultou assim uma coisa de snack-bar cantineiro, algures entre Nova Iorque e Bogotá, sem passar por Bouças, espécie de nouvelle cuisine pretensiosa e escusada, que envergonha a velha lampreia e a tradição gastronómica alto-minhota. Uma desgraça.
Assusta-me que venha a passar-se o mesmo com a nossa vitela. Quer-se dizer: temos provavelmente a melhor vitela assada do mundo, vamos agora inventar o quê?...
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