domingo, 20 de julho de 2025

Introdução à pornografia

O canalizador
O canalizador é um indivíduo bastante importante para as donas de casa em geral e nomeadamente para o segmento pornográfico da indústria cinematográfica. Fafe nunca teve grande tradição no palpitante nicho dos filmes pornográficos, pelo menos antes da invenção dos telemóveis com vídeo e das redes sociais. No meu tempo, ia-se a Guimarães, ao Jordão. E era para adultos. Pervertidos, mas maiores de idade.

Riscado da lista de pagamentos da Capital Europeia da Cultura 2012, o Teatro Jordão ficou para ali, com todo o aspecto de abandonado e esquecido, à beira de fazer 75 anos. Era mais uma triste metáfora do desgraçado país que somos. Consoante os ciclos eleitorais, prometeram-lhe reforma, reabilitações, orquestras sinfónicas, bandas, academias, artes dramáticas e visuais, universidades, estudos, anteprojectos, projectos - e, ano após ano, nada. Tretas apenas. Houve obras marcadas logo para 2013 e assim sucessivamente, rebates falsos, até que em 2022 a ressurreição finalmente aconteceu, com resultados que, por acaso, só me apetece aplaudir. Mais vale tarde que nunca.
Não sei o que Guimarães pensa ao certo do caso, mas a mim parece-me que o azar do Jordão foi a vizinhança: o mau-olhado do Centro Cultural Vila Flor, que lhe fica resvés e comia tudo, tudo, tudo. Também não sei o que o Teatro Jordão significa realmente para os vimaranenses e se a cidade se empenhou a fundo na exigência da preservação física da velha sala de espectáculos. Sei o que o Jordão significa para mim, mas a minha memória vai para além das pedras. A casa até podia vir abaixo, que as recordações daqui não saem.
De Fafe, ia-se ao cinema a Guimarães. "Chove em Santiago", o filme de Helvio Soto sobre os últimos dias do governo de Salvador Allende e o golpe militar no Chile, vi-o pela primeira vez no Jordão de casa cheia e a explodir de repente numa enorme manifestação antifascista, comício de ignição espontânea, de raiva, o pessoal de pé em cima das cadeiras, de punhos cerrados e erguidos, com uma única e cada vez mais vociferada palavra de ordem - Filhos da puta! Filhos da puta!! Filhos da puta!!!
Andávamos ainda com o fogo do 25 de Abril no rabo e ninguém nos aturava. Bons tempos aqueles, havia sonhos.
O "Jordáohe", como se chama em "Guimaráes", tinha um excelentíssimo restaurante nos fundos, muito procurado, nos seus tempos áureos, para almoços de casamento. Era chique. Era tique. Em Fafe, para as melhores famílias, não havia dúvidas sobre a receita infalível: cerimónia religiosa numa capela ou igreja de aldeia e, depois, ala para Guimarães, banquete no Jordão. A primeira vez que lá entrei, ainda rapaz, foi precisamente para a boda do tio Zé com a tia Lena. E descobri, maravilhado, que os agriões são de comer. 
O Jordão foi também o cinema dos meus primeiros filmes pornográficos. Era a novidade. A pornografia acabara de chegar a Portugal, com a bendita liberdade, que afinal é sempre um pau de dois bicos. Devo esclarecer, por falar nisso, que os filmes pornográficos do Jordão faziam muito mal aos intestinos, pior do que garrafão de vinho doce bebido de uma assentada. Nos intervalos era um ver se te avias para ir à retrete, filas imensas de braguilhas aflitas à porta das sentinas, porque os urinóis para o caso em apreço não serviam.
Quando me internacionalizei, um ou dois anos depois, em França, pude verificar que, com os estrangeiros, muito mais batidos na matéria, a coisa funcionava de maneira diferente. Para além de cada qual poder escolher o lugar que quisesse na sala praticamente às moscas, não era preciso esperar pelo intervalo nem ir à casa de banho para esgalhar o pessegueiro - era ali mesmo, à Lagardère. Já se sabe: os castiços dos franceses, toujours en avance...

Já agora: ao contrário do que muito boa gente pensa que sabe, incluindo alguns figurões com alegadas responsabilidades literárias, "Chove em Santiago", célebre verso de abertura de um belíssimo poema de Federico García Lorca, não se refere a Santiago do Chile, mas a Santiago de Compostela. À minha querida Santiago de Compostela, pela qual o poeta e dramaturgo andaluz também se enamorou.
Lorca publicou em 1935 um pequeno livro a que deu o nome de "Seis Poemas Galegos". Em galego o escreveu e o poema mais conhecido do opúsculo é exactamente este, que aqui deixo de regalo:

Madrigal á cibdá de Santiago

Chove en Santiago,
meu doce amor.
Camelia branca do ar
brila entebrecida ô sol.

Chove en Santiago
na noite escura.
Herbas de prata e de sono
cobren a valeira lúa.
Olla a choiva po-la rúa,
laio de pedra e cristal.
Olla no vento esvaído,
soma e cinza do teu mar.

Soma e cinza do teu mar,
Santiago, lonxe do sol;
ágoa da mañán anterga
trema no meu corazón.

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