quarta-feira, 16 de julho de 2025

Piopardo ao saco!

Mandaram-nos proteger o garrano. E nós protegemos. Depois disseram-nos que era preciso abater o garrano. Mandaram-nos proteger o lobo. E nós protegemos. Agora dizem-nos que o lobo pode ser abatido. Mandaram-nos salvar o lince. E nós salvámos. Mas o lince, diz-se, anda a atacar galinhas. O lince que se ponha a pau...

A caça ao gambozino é uma satisfatória alternativa, por exemplo, à caça ao elefante ou, também estou em crer, à montaria ao javali. Mantém-se o lado lúdico e ecuménico, o são convívio entre caçadores e simpatizantes, o almocinho e a merenda, a sacramental troca de mentiras, mas poupa-se em matança, em perigo e em munições, dando-se uma mãozinha, por outro lado, à indústria nacional da serapilheira. Como se sabe, na caça ao gambozino os caçadores não usam armas de fogo, mas sacos e chibatas, e gritam: - Piopardo ao saco!...
É verdade, a caça ao gambozino, essa espécie amiúde cinegética também conhecida como piopardo ou vai-ver-se-estou-lá-fora. Eu sei bastante de caça ao gambozino porque sou de Fafe, e em Fafe, no meu tempo, nem se era fafense nem se era nada se não se caçasse o gambozino. Fui, aliás, um razoável caçador de gambozinos, não é para me gabar. Em Fafe, depois de se caçar muito o gambozino, assim com uma certa carreira feita, reconhecida, já se podia mandar caçar os outros. E foi o que eu fiz. E é o que eu faço.
É preciso que se note que o gambozino, ou piopardo, depois de caçado, medido, pesado, lavado, dentes incluídos, vacinado, fotografado, etiquetado e registado, era devolvido à liberdade, à natureza, com dinheiro para o táxi e direito a levar o respectivo saco de serapilheira cheio com um rico merendeiro, doces de Arões e Fornelos, vinho de Várzea Cova, galhardetes e outras lembranças municipais, até à próxima! Fafe era assim. Fafe é assim. Um povo compassivo e magnificente, mãos-largas.
Discotecas à parte, onde às vezes realmente há uns tiros, navalhadas, pancadaria de criar bicho e talvez uma morte ou outra, nada de mais natural, Fafe é uma terra pacata, livre de armas nucleares e muito amiguinha dos animais, coitadinhos. Tem concurso de beleza canina, tem chega de bois, tem corrida de cavalos a passo travado, tem largada de perdizes, tem batida à raposa, tem exposição de columbofilia, tem certamente grilos, com e sem gaiola, e até tem montaria ao javali, uma iniciativa magnificamente promovida e aparelhada pelo Município, "organização governamental", com estacionamento gratuito, almoço e tudo.
Como toda a gente sabe, javalis em Fafe são mato, tais como, para não irmos mais longe, ursos tintos e morsas desdentadas nos aprazíveis glaciares da Lameira, tubarões-berbequins nos mares da barragem de Queimadela, camarões-tigres na bacia do rio de Pardelhas e crocodilos insones no lago do Jardim do Calvário. Importante: determinado por edital camarário, todos os javalis devem apresentar-se à montaria obrigatoriamente vestindo colete reflector, não vá passarem desapercebidos aos caçadores de carregar pela boca. No caso das largadas de perdizes previamente tontas, só são admitidas à mortandade as perdizes que usem capacete e após teste do balão.

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