O amigo dos animais
É veterinário porque gosta muito de animais. Coelhos, lebres, perdizes, rolas, tordos, javalis e sobretudo toiros. E só lamenta que em Portugal não sejam de morte.
O meu avô tinha uma tremenda paixão por pintassilgos e canários. Apanhava-os à falsa fé num alçapões que ele próprio fazia e depois alimentava-os e educava-os com paciência de chinês e desvelo de pai babado, espiando-lhes diariamente a definição da plumagem e ensinando-os, ti-trrriii, a dobrar o canto. Quando os considerava prontos, de solfejo na ponta da língua, o Bô apresentava-os então à sociedade local, chamava os especialistas para uma primeira audição pública. A ocasião era solene. Era o momento da verdade. "Este não o vendo nem por dois contos", costumava dizer a mangar, se a exibição corria bem, mortinho que lhe aparecesse logo ali um comprador por muito menos. O meu avô era assim, enganadorzinho...
Na Bomba havia cão, que se chamava sempre Roni, havia coelhos e galinhas. As galinhas eram fundamentais naquele lar de entusiásticos consumidores de medicamentos e canjas. Havia cabrito na engorda pela Senhora de Antime, como manda a tradição fafense, e houve porco, pelo menos uma vez. O avô mandou capar o porco, lembro-me muito bem do serviço encomendado ao Senhor Beta, capador encartado e satisfatório saxofonista na Banda de Revelhe. Mas lembro-me sobretudo dos guinchos do pobre animal, ferido à traição na sua virilidade, e aquilo afligiu-se-me até aos ossos. Eu estava de partida para o seminário, diziam-me que também ia ser capado, estais a ver, portanto, a impressão que de repente se me fez entre pernas.
O meu avô da Bomba, que construía armadilhas para caçar canários e pintassilgos, mantinha em funções uma banca do seu tempo de moço sapateiro, velho e honrado ofício de que nunca se apartou. Enquanto pôde, num cantinho por baixo das escadas que subiam para "o salão" do quartel da Rua José Cardoso Vieira de Castro, onde os finalistas da Escola Industrial levavam à cena a sua récita anual e a AD Fafe realizava as suas assembleias gerais, ele fez, com desenho próprio, as sandálias e sapatos que calçavam a família de entre portas. Sapatos e sandálias que duravam duas ou três vidas. Até fez os sapatos que o meu padrinho e tio Américo levou no dia do seu casamento com a querida tia Laura, e que catitas que eles eram: os sapatos e os noivos. O Avô da Bomba era uma artesão habilidoso e perfeito. Mãos de ouro. Um artista, uma figura. Fazia também fisgas, que dava de prenda aos netos. Depois mandava-nos matar pardais.
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