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Foto Tarrenego! |
Sou incapaz de pensar em Fafe do meu tempo sem me lembrar logo do Landinho. O Nosso Menino marcou efectivamente uma época, pelo menos a minha, mais até, estou em crer, do que muitos dos emproados figurões locais, de quem a história, se for honesta, não fará nem a mais pequena ideia. O Landinho estava sempre presente, particularmente nos momentos solenes e também nos outros, verificando factos e tomando conta da ordem pública. Era mestre-de-cerimónias, cobrava cotas inexistentes, inventava multas de trânsito, apregoava jornais invisíveis, avisava de funerais por conta própria, entregava botijas de gás, oferecia-se como matador de cabritos pela Senhora de Antime, sonhava ser padre. Ele e eu tínhamos também isso em comum. Fafe sem Landinho seria impossível. E é. O Menino fazia parte da paisagem fafense, mas era mais do que paisagem. O Landinho era - penso agora - a mais benévola metáfora do que somos todos nós os que somos de Fafe, os que sentimos Fafe. E Fafe nem sempre o tratou bem, mas ele, o Menino, nunca nos faltou - só agora, e por razão de força maior. O Landinho é, em inegociável lugar de honra, um dos meus fafenses excelentíssimos.
Sei muito do Landinho, muito mais do que aqui conto. Tínhamo-nos amizade. Sei da sua infância, sei da senhora sua mãe, das dificuldades por que passavam, sei da sua juventude, lembro-me de ele ter ido às inspecções, que pelo menos naquela leva foram realizadas no velho quartel dos Bombeiros, na Rua José Cardoso Vieira de Castro. Exactamente, o Menino foi às sortes e tenho ideia de que não se livrou à primeira, aliás ficou apurado, alguém por ele teve de posteriormente fazer prova das suas singularidades. Safou-se por pouco de ir à guerra, e às tantas ainda tínhamos ali herói. Era. O regime precisava de carne para canhão.
De salada russa, quem percebia era o Landinho, que me desculpem as ilustres Sónia Tavares e Bárbara Guimarães e, já agora, aproveitem e assoem-se a este guardanapo! Quem for antigo e de Fafe sabe disto muito bem e também sabe que o verdadeiro nome da salada russa, em português, é maionese, evidentemente, aliás "manganésia", como lhe chamava o Nosso Menino com toda a propriedade.O Landinho pelava-se por um bom pratinho de "manganésia", mas a verdade tem de ser dita: só comia se lhe dessem. E às vezes tinha de fazer por isso. Em todo o caso, nunca ousou actuar de penetra nem comeu pela calada, como quem não quer a coisa, nem há notícias de que tenha perpetrado figuras tristes para encher a mula à pala e em sonsa contravenção. Nada disso. Parecendo que não, o Landinho sabia estar, tinha classe, pedia, e isso faz toda a diferença...
Menino queria dizer muito em Fafe, tinha valor. "Meu rico menino" é o tratamento que reservamos entre nós aos que nos queremos bem. Quando entrava no antigo Peludo, já no tempo do Peixoto, o Landinho pedia geralmente um pratinho de "manganésia", que era talvez a sua perdição gastronómica, ou então era só fome e ele saberia que não lhe davam outra coisa. Andava com sorte se lá estivesse o Valença, o gozão-mor do reino, inveterado pregador de partidas, mas também portador de um coração de razoáveis dimensões. E então o Valença dizia-lhe: - Pago-te o pratinho, mas primeiro tens de dar um beijo aqui ao Bomba! - e o Bomba era eu, e o Landinho chegava-se e abraçava-me e lambia-me a cara com um sonoro e indesmentível beijo. Isto mais do que uma vez, pelo menos três ou quatro. E o Nosso Menino ganhava o seu pratinho de maionese, que era o que se chamava àquela travessa de salada-russa, às vezes com um filete de pescada ou um panado em fim de prazo, mais um copinho de vinho, e só um, que já não faltava quem abusasse dele. Do Menino...
Era. O Nosso Menino gostava de "manganésia" e de fatos. Eu sempre achei que o Landinho mandava fazer os seus fatos por medida, personalizados, porque os fatos que vestia assentavam-lhe todos muito mal, mas muito mal sempre da mesma maneira, e por isso ficavam-lhe muito bem, porque o Landinho era assim, aquela era a sua imagem de marca. Irredutível militante das calças à boca de sino pelo tornozelo e da gravata tipo bacalhau de quarto com nó grosso, eu via-o como um verdadeiro gentleman sobretudo aos domingos, feriados e dias santos, e sempre me incomodou que a La Redoute nunca tivesse convidado o nosso Menino para modelo de pelo menos um dos seus pantagruélicos catálogos. O Landinho morreu em 2023, e agora já vêm tarde.
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