Amor à camisola
Marcou golo. Golaço! Deslizou de joelhos pela relva, arrancou a bandeirola de canto, fez um coração com as mãos para a câmara de televisão mais próxima, bateu no peito como tarzan, apontou insistentemente para o emblema magnífico, abraçou-se à camisola suada, beijou-a com exagerada paixão, puxou-a mais para si, mais para cima, e... assoou-se-lhe copiosamente.
João Costeado, lembro-me tão bem dele. Bom moço, rapaz quase da minha idade. O grande Costeado, que jogou no meu Fafe na passagem da década de 1970 para a década de 1980 e que brilhou naquela extraordinária equipa de Nelo Barros que fez frente ao Sporting nas meias-finais da Taça de Portugal e que era assim, tal como a anunciei aos altifalantes do estádio cheio como um ovo: Zé Maria, Costeado, Cândido, Castro e Manuel Fernandes; Albano, Sousa Pinto e Valença, Valdemar, Daniel I e Nogueira. Que luxo! Que máquina! Quem no-la dera naquele ano administrativo em que fomos cheirar a primeira divisão, com alguma trafulhice à mistura! Nem teríamos descido, digo eu...
Mas a tal meia-final da Taça, e já era a segunda em apenas três anos. Nós na segunda divisão, que era o nosso sítio, que ainda hoje devia ser o nosso lugar, e o Sporting que era o Sporting, e que se apresentou, pelo sim e pelo não, com bisarmas do calibre de Botelho, Inácio, Laranjeira, Baltasar, Manuel Fernandes ou Rui Jordão. Foi na época de 1978/79, no nosso campo, nós, futuristas e ingénuos, vestidos de "Espaço 1999", e roubaram-nos a glória da final no Jamor, ou pelo menos a hipótese de um segundo jogo em Alvalade, roubaram-nos, dizia, com um penálti produzido pelo árbitro e convertido por Jordão aos 94 minutos, isto é, já no prolongamento. A peregrina falta que deu origem ao castigo que teve tanto de máximo como de injusto foi assinalada, imaginem, ao nosso Costeado.
O João era uma riqueza de moço. E o Costeado, que depois até jogou quatro vezes pela Selecção, à pala do forrobodó de Saltillo, era um defesa direito velocista porém tecnicamente equilibrado, raçudo e amiúde sarrafeiro. Aliás, bastante sarrafeiro. Mas estava inocente naquele dia, diga-se em abono da verdade. A Bola, o insuspeito jornal do Benfica, fazia até notar que o árbitro "julgou mal o famigerado lance de Costeado, conferindo-lhe, primeiro, uma natureza e uma intencionalidade, depois, que a nosso ver não teve", e parece que estou a ouvir o Joaquim Rita, com vírgulas e tudo, e o texto era realmente dele.
Ora bem. Acontece que naquele tempo não havia VAR. O VAR daquele tempo eram o Carlos Manuel ou o André a andarem sempre à volta do árbitro a dizerem o que devia ou não devia ser marcado, e nunca falhava. À falta do Carlos Manuel e do André (e, já agora, do Bruno Fernandes, que é actualmente VAR em Inglaterra), o próprio Costeado deu conta do recado, colando-se ao juiz da partida, Santos Luís, agarrando-o respeitosamente pelo avental, pedindo-lhe, rogando-lhe, rezando-lhe, implorando-lhe, jurando-lhe, repetindo-lhe quase em lágrimas, estou em dizer que mesmo em lágrimas - Eu nem lhe teni, senhor árbitro! Nem lhe teni, senhor árbitro! Nem lhe teni!...
O árbitro, o senhor árbitro, não reverteu a decisão. O Sporting era o Sporting. Chamaram-lhe "o roubo do século". Conta A Bola que "Santos Luís saiu fardado de polícia". E Costeado, após a ladainha chorosa, rebaptizado logo ali pelo Valença, passou a chamar-se "Teni", sem apelo nem agravo. Sim, o João Costeado é o "Teni"!
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