sexta-feira, 14 de março de 2025

À espanhola, mas sem castanholas

As barbas de molho
Até que um dia, de tanto ouvir falar naquilo, ele pôs as barbas de molho. Mas nunca soube para quê. Se ainda fosse bacalhau! Ou, vá lá, pelo menos uns tremoços...

Antes que o mundo acabe, faço questão de esclarecer o seguinte: bacalhau à espanhola não é caldeirada de bacalhau, tampouco ensopado de bacalhau. Ide a Fafe a aprendei: bacalhau à espanhola é um prato que pede azeite e não água. Perguntai aos antigos. É quase um guisado, de molho grosso e aveludado, e com o tempero apurado até aos limites legais de sal, pimenta, alho, louro e salsa. Por mim, também malagueta. Colorau, um nada só para dar cor, mais dourada do que vermelha. E, tomai nota, o pimento e o tomate são duas desnecessidades usadas apenas por quem pensa, mas não sabe, que só assim é que é "à espanhola". Erro crasso. O bacalhau à espanhola é à portuguesa! É à moda de Fafe, como era feito em todos os lares, ricos, pobres ou entremeados, pensões, tascos e saudosas casas de pasto da minha terra. Depois chegaram os restaurantes. E os snack-bars. E as tascas. E escangalharam tudo...

(Falo em fim do mundo e falo a sério, e não em cuecas, porque isto aqui não está para brincadeiras, um destes dias acordamos e está tudo morto, peço desculpa por ser tão cru. Entre solstícios e eclipses, luas de sangue, meteoros, asteróides, cometas e sextas-feiras 13, terramotos e terroristas, Elon Musk, Donald Trump e Vladimir Putin, claques de futebol, Montenegro e rusgas policiais, basta uma corrente de ar, coisinha de nada, um arzinho que lhe deu, e a casa vem abaixo, quer-se dizer, já não há mais bacalhau para ninguém. O que é pena, porque, sejamos honestos e reconhecidos, o bacalhau é o melhor amigo do homem, só lhe falta ladrar, e, se tivéssemos mais um bocadinho de tempo, de mundo, vamos dizer assim, se calhar o bacalhau... au... au ainda lá ia.)

De volta ao tacho, ao nosso bacalhau à espanhola. O bacalhau até pode ser de quarto, daquele que, inteiro, não mede mais do que um palmo, e pode ser pouco, praticamente espinhas. Não faz diferença nenhuma. O importante é o gosto que o bacalhau empresta, o equilíbrio do tempero geral, a consistência da molhanga. Quando eu era pequeno e os tempos eram de mais pobreza do que agora, a minha mãe fazia um bacalhau à espanhola a que, honestamente, chamava batatas à espanhola. E vós não fazeis ideia do que perdestes por nunca terdes provado as batatas à espanhola da minha mãe...
E pronto, era isto. O mundo já pode acabar. Estou preparado, enfim de consciência tranquila. Andava com esta espinha atravessada na garganta, mas está o assunto resolvido. E agora, se me dais licença, vou à cozinha salgar uns ossinhos da suã para o almoço de domingo.

Sem comentários:

Enviar um comentário