sexta-feira, 14 de novembro de 2025

O telefonema do padrinho

Foto Tarrenego!

O meu padrinho era sempre o primeiro. Entrávamos no mês de Dezembro, logo nos dias iniciais, o telefone cá de casa tocava e eu sabia mesmo antes de atender: era o meu padrinho, para nos desejar boas festas. E confirmava-se. Eu retribuía ligando-lhe duas ou três semanas depois, ao cair da noite de 24, precisamente, já nos prolegómenos da ceia de Natal. O meu padrinho bem percebia a minha malandrice, mas fazia de conta que não. E no ano seguinte lá tornava ele à jogada de antecipaçãozíssima.
O meu padrinho era um homem muito bom. Quem o conheceu, sabe que não estou a mentir. Era tão profundamente bom, que não sabia ser mau, mesmo quando queria ou precisava de arriar a giga. Nessas ocasiões, raríssimas, faltava-lhe a voz, a fúria sumia-se como se por falta de comparência, soava a falso, creio até que funcionava ao contrário, parecia que era a mangar, e eu, se por acaso estivesse por perto, desmanchava-me a rir. E respeitava-lhe a bondade.
O meu padrinho chamava-se Américo, Tio Mérico, Américo da Bomba, Sr. Américo, Comandante, e certamente por causa dele é que carrego este extraordinário nome de Américo Hernâni, que devia ganhar um prémio pelo menos nacional de esdruxulice. Mas eu perdoo-lhe. Por outro lado, com um nome próprio assim redundante, Américo e Hernâni, naquele tempo de benfiquismo a bem da Nação, eu só podia dar portista - e dei. Foi a minha sorte. E agradeço ao meu padrinho. Felizmente, o meu coração é desde nascença de uma só cor, azul e branco, às vezes também rosa bebé, outras ocasiões amarelo desbotado, conforme o equipamento do adversário, enfim, o que for melhor para o negócio das camisolas.
O meu padrinho era o irmão do meio do meu pai, que era o mais velho. Lá em cima, no retrato antigo, estão os dois, fardados de músicos da Banda de Revelhe, suspeito que posando ao lado do então novo Tribunal de Fafe. O padrinho era o do casaco e boné, todo tirone. Depois havia o mais novo, o meu tio Zé da Bomba, a quem os amigos e colegas de estudos chamavam "Fone", mas que, no nosso caso concreto, precisava mesmo de ser "da Bomba" para o distinguirmos do meu tio Zé de Basto.
O meu pai morreu num Natal gelado e francês, muito antes do tempo e sem aviso. E os irmãos resolveram ir ter com ele, uns anos mais tarde, primeiro um, depois o outro, como se também não tivessem mais nada para fazer por cá, e estavam redondamente enganados. Os três. Ainda hoje nos fazem faltam.
Que se segue? Eu já estava afeito a ele. Sem o telefonema do padrinho, tão fiável, antecipado e cómico, como que a abrir o calendário do Advento sem o saber, os meus natais já não são o que foram, perderam muita da sua graça. O primo Miguel, filho do tio Zé e também afilhado do tio Mérico, ainda agarrou a pasta, durante uma temporada, e passou a ser o primeiro. Remediava, sou sincero. Porque, a verdade é só uma, tinha de ser um Bomba, e dos assumidos. E eu gosto do Miguel! Mas não era a mesma coisa.

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