O jornalista cultural
Homem de cultura, presença assídua em verbenas poéticas e chás-dançantes, organizador de bienais e reuniões mensais, colaborador em jornais e televisões digitais, presidente de cineclubes diversos, nome com assinatura reconhecida nos melhores suplementos de artes e letras, inclusive blogues, Bonifácio de Montalvar foi ao cinema de ciclo. Viu "Guerra e Paz", de King Vidor, com Audrey Hepburn, Henry Fonda, Mel Ferrer e o italiano Vittorio Gassman. Gostou do enredo, ou da estória, como prefere escrever. E declarou à saída, alto e bom som, para que ficasse lavrado em acta: - Isto, sim, dava um bom livro.
Homem de cultura, presença assídua em verbenas poéticas e chás-dançantes, organizador de bienais e reuniões mensais, colaborador em jornais e televisões digitais, presidente de cineclubes diversos, nome com assinatura reconhecida nos melhores suplementos de artes e letras, inclusive blogues, Bonifácio de Montalvar foi ao cinema de ciclo. Viu "Guerra e Paz", de King Vidor, com Audrey Hepburn, Henry Fonda, Mel Ferrer e o italiano Vittorio Gassman. Gostou do enredo, ou da estória, como prefere escrever. E declarou à saída, alto e bom som, para que ficasse lavrado em acta: - Isto, sim, dava um bom livro.
Ora bem. Durante muitos anos eu confundi Agatha Christie com Miss Marple. Quero dizer, a cara de Agatha Christie era, para mim, a cara da veterana actriz inglesa Margaret Rutherford, e só já bastante adulto e atirado à vida é que desfiz o equívoco, perante o verdadeiro retrato da famosa autora de romances policiais, porventura descoberto na badana de um livro. Mais curioso ainda é que, em Fafe, eu mantinha sob apertada vigilância meia dúzia de velhas senhoras que eram Miss Marple de certeza absoluta, por mais que tentassem disfarçar. Senhoras antigas, amiúde intrometidas, vestindo com quase cinquenta anos de atraso, senhoras assim como a nossa Milinha Vaqueiro ou como as manas Grilas em dias de maior asseio. E que quereis que vos diga? A Senhora Dona Agustina, assim que lhe pus a vista em cima, entrou logo também para a minha lista.
Alheia à agenda e à actualidade, Agustina escrevia para o jornal uns "editoriais" extraordinários, que eram tudo menos editoriais. Eram pérolas literárias, histórias, contos, ensaios, que viam a luz do dia no cantinho superior esquerdo, ou talvez direito, da primeira página.
A directora não sabia nada do jornal e o jornal também não queria saber dela. Um dia o chefe de redacção entrou-lhe no gabinete perguntando-lhe o que fazer com uma notícia eventualmente mais melindrosa e que agitava na mão. É, antigamente as notícias viajavam em folhas de papel. "Eu não sei nada disso", enxotou a directora, "vá falar com o chefe de redacção". E o chefe de redacção disse "Com certeza, senhora directora", e foi falar consigo mesmo, modalidade, aliás, em que ele era e ainda é campeão intercontinental.
A directora Agustina Bessa-Luís deixou O Primeiro de Janeiro depois dos pascácios da administração lhe terem feito a sacanagem de publicar, sem lhe dar cavaco, uma edição apócrifa do jornal, a pedido das bolachas Triunfo, acrescentando-lhe à sorrelfa a convocatória de uma assembleia, o relatório e contas ou algo do género, enfim, uma diligência qualquer que legalmente carecia de um certo prazo que já tinha sido ultrapassado, se bem me lembro. A escritora exigiu a demissão dos administradores, que se mantiveram nos seus lugares, agarrados ao tacho como lapas. Saiu ela.
Sei disto tudo e outro tanto porque conheço muito bem o tipo que revia os "editoriais" de Agustina no velho Janeiro e que, vítima do efeito dominó provocado pela honrada renúncia da directora, acabaria por ter de tomar conta da redacção. Conheço-o tão bem que é como se me visse ao espelho.
No Janeiro, onde entrei como revisor, após concurso, lidei também com os extraordinários gatafunhos do filósofo Sant'Anna Dionísio (1902-1991), um velhinho minúsculo, já algo distraído e inesperadamente simpático que nos visitava amiúde, com os bolsos do casaco quase pelos pés, atafulhado de folhas de papel manuscritas, riscadas, emendadas e acrescentadas numa letra desengonçada e a bem dizer indecifrável que me calhava sempre a mim, por ordens expressas do chefe da revisão, o sábio Professor Horácio. Sant'Anna Dionísio escrevia uma infindável série de artigos sobre o também filósofo Leonardo Coimbra (1883-1936), que tinha sido seu mestre e era o seu ídolo, por assim dizer. Por lá andavam também, cronicando, o cineasta António Lopes Ribeiro (1908-1995), Cruz Malpique (1902-1992) ou Daniel Constant (1907-1984), entre outros, mas José Augusto Santana Dionísio seria talvez o mais notável colaborador do prestigiado suplemente literário do PJ, "Das Artes Das Letras", no meu tempo coordenado pelo poeta presencista Alberto de Serpa (1906-1992), outro incorrigível praticante da escrita manual e razoável filho da mãe.
A directora Agustina Bessa-Luís deixou O Primeiro de Janeiro depois dos pascácios da administração lhe terem feito a sacanagem de publicar, sem lhe dar cavaco, uma edição apócrifa do jornal, a pedido das bolachas Triunfo, acrescentando-lhe à sorrelfa a convocatória de uma assembleia, o relatório e contas ou algo do género, enfim, uma diligência qualquer que legalmente carecia de um certo prazo que já tinha sido ultrapassado, se bem me lembro. A escritora exigiu a demissão dos administradores, que se mantiveram nos seus lugares, agarrados ao tacho como lapas. Saiu ela.
Sei disto tudo e outro tanto porque conheço muito bem o tipo que revia os "editoriais" de Agustina no velho Janeiro e que, vítima do efeito dominó provocado pela honrada renúncia da directora, acabaria por ter de tomar conta da redacção. Conheço-o tão bem que é como se me visse ao espelho.
No Janeiro, onde entrei como revisor, após concurso, lidei também com os extraordinários gatafunhos do filósofo Sant'Anna Dionísio (1902-1991), um velhinho minúsculo, já algo distraído e inesperadamente simpático que nos visitava amiúde, com os bolsos do casaco quase pelos pés, atafulhado de folhas de papel manuscritas, riscadas, emendadas e acrescentadas numa letra desengonçada e a bem dizer indecifrável que me calhava sempre a mim, por ordens expressas do chefe da revisão, o sábio Professor Horácio. Sant'Anna Dionísio escrevia uma infindável série de artigos sobre o também filósofo Leonardo Coimbra (1883-1936), que tinha sido seu mestre e era o seu ídolo, por assim dizer. Por lá andavam também, cronicando, o cineasta António Lopes Ribeiro (1908-1995), Cruz Malpique (1902-1992) ou Daniel Constant (1907-1984), entre outros, mas José Augusto Santana Dionísio seria talvez o mais notável colaborador do prestigiado suplemente literário do PJ, "Das Artes Das Letras", no meu tempo coordenado pelo poeta presencista Alberto de Serpa (1906-1992), outro incorrigível praticante da escrita manual e razoável filho da mãe.
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