quinta-feira, 8 de maio de 2025

O Mola assobiava que era um mimo

Dou abraços em segunda mão
Andei a remexer nas gavetas, faço isso uma vez por ano, e no meio da papelada sem sentido encontrei duas dúzias de abraços antigos mas ainda em razoável estado de conservação, dois deles desirmanados e pelo menos um que de certeza não é meu, achei-o talvez, mas já não me lembro, pu-lo de lado e estou pronto a entregá-lo a quem provar pertencer-lhe. Quanto aos outros, deixei-os estar, devem ser sobras da pandemia e não sei o que me parece deitá-los fora. Se alguém os quiser, que diga. Eu dou-os!

A mola. Molas de roupa, há-as em madeira, em plástico e em aço. As molas de aço são difíceis de vergar e muito dadas à preguiça, quase tanto como os garfos. Sei razoavelmente de garfos porque, dizem-me, tenho um nas costas. Crê-se que as molas foram inventadas nas redondezas de 1700, em madeira, e que ganharam as suas formas actuais em 1853. O Dia da Mola celebra-se a 6 de Maio e só lhe ligam, um bocadinho, no Reino Unido, que são um povo que, apesar de nevoento, gosta de ter sempre alguma coisinha com que se entreter, como por exemplo as coscuvilhices da família real. E a mola. Mola em inglês diz-se clothes peg ou clothespin se for na América. O famoso jornal londrino The Telegraph considerou a mola de roupa a centésima maior invenção da humanidade. Depois da mola já foram inventados os computadores, a bomba atómica, o coração artificial, a televisão, o telemóvel, os antibióticos, as naves espaciais, o peido-engarrafado, o exoesqueleto, o clipe, a fita-cola, a cola-cientistas-ao-tecto, o post-it, o pós-modernismo, o velcro ou o pionés, e no entanto - tomai nota! - os mais virtuosos músicos das melhores, mais aclamadas e mais sofisticadas orquestras sinfónicas do mundo continuam a usar a mola, a modesta, a simplória, a velha mas competente mola de roupa para segurarem as sagradas partituras às respectivas estantes. O que é extraordinário.

O Mola. Mola, por outro lado, também pode ser masculino. Nesse caso escreve-se com maiúscula inicial, diz-se o Mola, e devo informar que morava, se não me engano, quem vai para a Fábrica do Ferro, resvés com a descida final, ali por alturas do Souto, frequentava evidentemente o velho Peludo e, por morte deste, o Arcada. É preciso também que se diga que o Mola trabalhou muitos anos no Vitória de Guimarães e depois na AD Fafe, que era um homem alto e barbado, elegantemente discreto, cordato, sábio, infalível aos amigos e discípulos, noctívago, malandro, apreciador de bandas filarmónicas e ele próprio exímio executante de assobio, económico nas palavras, e tinha piada fina. Grande Mola! Uma figura mítica, irrepetível, um fafense excelentíssimo.

E eu sou um gajo cheio de sorte. Num dos meus bissextos retornos a Fafe, há meia dúzia de anos, vi o Mola e já não o via há muito tempo. Calhámos eu e ele à hora de almoço no Fernando da Sede (Adega Popular) e comoveu-me o reencontro. Não falámos, porque eu não ousei. Eu estava com o meu filho e senti um prazer tremendo, uma vaidade sem medida, contando ao Kiko a grandeza daquele homem, a importância que ele teve na vida do meu amigo Pimenta e a importância que o Pimenta teve e tem na minha vida. Antes de sair e de dar o meu segundo abraço ao Fernando, mandei ao Mola um envergonhado sinal de "obrigado!" e ele deu-me em troca um sorriso tímido e límpido, talvez ausente, secreto, quem dera que pelo menos lhe tenha passado pela cabeça, ainda que por acaso, "acho que em tempos conheci aquele miúdo"...

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