- Volta a Portugal! Volta a Portugal em bicicleta! - pediu-lhe insistentemente a mulher, num derradeiro telefonema de aflição. E ele voltou. Mas veio de carro.
Portugal era em Fafe e eu, fafense de rebimba o malho, tinha muito orgulho nisso. Portugal era um larguinho e situava-se na Rua José Ribeiro Vieira de Castro, como quem desce, à esquerda, entre a esquina do Toninho Nacor, o tasco antigo, e o Lombo, por assim dizer e com vossa licença. Morava ali gente de categoria, como, por exemplo, a Senhora Felicidade, que costurava ao domicílio nas melhores casa da vila e era uma cerzideira tão perfeita que até passava despercebida. Portugal era um terreiro e tinha uma "cabine". A "cabine", segundo me explicaram, guardava e distribuída electricidade. Era uma espécie de almazém. A importância de Portugal, o país inteiro, ser em Fafe meteu-se-me em mim, em pequeno, e eu tinha a compenetrada mania de que era mais do que os outros, os que não eram de Fafe. Esta minha inclinação notou-se particularmente no meu tempo de seminário, onde eu sempre achei que era mais fino do que os outros. Os meninos das outras terras, e tantas eram, de Melgaço até bem abaixo de Braga, incluindo Vizela, detestavam estas minhas peneiras e, para mal dos seus pecados, só muito tarde da vida é que compreenderam que realmente eu era mais fino do que eles. Mas eles não tinham culpa, coitados, era apenas azar. Ninguém escolhe onde nasce, e a verdade é só uma: eles não nasceram em Fafe e portanto não tinham Portugal.
Pois Portugal ainda lá está, em Fafe, que é o seu sítio. O Largo de Portugal. Volvidos tantos anos, não sei se mantém os seus poderes intocados, os poderes que eu sei que Portugal tinha. A envolvência - isto é, Picotalho, Cavadas e tudo - foi escangalhada pelo progresso, que passa ali ao lado armado em auto-estrada a mais de mil à hora. Questão de urbanismo. Os portugalenses serão também certamente outros, gentes de maiores posses e novos saberes. Mas a "cabine" continua, firme e hirta, como castelo altaneiro, quero crer que ainda e sempre ligada ao negócio do retalho energético, alta tensão, perigo de morte. Viva Portugal! Viva Fafe! Abençoada terra que tem um país inteiro num largo dentro de si.
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