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segunda-feira, 3 de março de 2025

Cruzes, canhoto!

O canhoto é o diabo. O demónio. Satanás. O que escreve com a mão esquerda. O que chuta com o pé esquerdo. O canhestro. Ou o desajeitado. Ou o talão que não se destaca no livro de recibos, guias ou cheques. Ou o pedaço de lenha para a fogueira, o pau torto, grosso ou nodoso. Em Fafe, é também o arrocho, o toro, o tronco, o toco, a pernada decepada, o cepo. E a mulher do canhoto é a canhota. Que é uma variedade de amêndoa algarvia, de fruto arredondado, com casca dura e miolo elíptico alargado de tonalidade clara. Ou um moinho de água, uma azenha. Ou a espingarda, na tropa. É. A língua portuguesa pela-se por uma boa brincadeira.

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2025

Emes para que vos quero?

Tomemos, por exemplo, o Dia de Nossa Senhora do Ó, assinalado a 18 de Dezembro. Um dia que causa grande inveja em todo o restante abecedário e sobremaneira entre as vogais.

É impressionante a quantidade de palavras da língua portuguesa que usam escusadamente um eme final. Isso, um mê no fim. O eme que se escreve mas não se lê. Podia passar aqui o dia inteiro a dar exemplos uns atrás dos outros - abrevio, porém, dando seis, como os dedos de uma mão mais um, e sem sair da rima: rodage, vantage, viage, sabotage, calibrage, portage, arage, garage. E afinal são oito, os dedos de uma mão mais três da outra. Para que é que estas palavras precisam do eme no fim se o eme no fim não se diz? Alguém diz Base das Lajens? É só despesa! E logo a letra eme, a das três perninhas, tantas perninhas, menos duas apenas do que as cinco patas do cavalo.
O eme, faço notar, que, ainda por cima, é a letra minúscula mais obesa do nosso abecedário. Um escândalo! Uma evidente desnecessidade e um tremendo desperdício de espaço num país com somente noventa e dois mil quilómetros quadrados. Os fiscais das palavras não andam de metro e muito menos de camioneta. Decerto nem saem à rua. Não falam com pessoas, nunca vieram ao Minho, nunca estiveram em Fafe. Ou, se calhar, faltou-lhes corage para cortar a direito. Hão-de ir longem...

quarta-feira, 26 de fevereiro de 2025

Apois, se não for antes

No português do Brasil, a palavra apois quer dizer pois, já que, pois que, visto que, como se fosse, me conte. No português de Fafe, isto é, no fafês, apois era corruptela, sinónimo e substituto popular de depois, portanto querendo também dizer após, mais tarde, posteriormente, a seguir. "Vai indo, que eu vou apois". E era assim que se contavam as histórias antigamente: - Apois, disse o rei à sua princesa...

terça-feira, 25 de fevereiro de 2025

O ânus da prova

Concelhos de mãe
Cátia Soraia entrou na universidade e, mal se instalou, mandou uma mensagem à mãe a pedir um concelho. A mãe, que é rica e boa alma, enviou-lhe Freixo de Espada à Cinta.

Eu, por exemplo, digo doénte em vez de doênte. Digo concelho e conselho em vez de conçalho e consalho. Digo mãe em vez de máim. Digo meio quando é meio e não maio. Digo têlha quando é telha e não talha. Digo coêlho quando é coelho e não coalho. Digo cóio em vez de côio. Digo câno em fez de cáno. Digo frónha em vez de frônha. Digo cachicha em vez de caxixa. Digo ferraménta em vez de pénis. Quer-se dizer: digo como era costume dizer-se na terrinha. Sou de Fafe, com muito gosto. Falo à Fafe como se nunca tivesse saído definitivamente de lá, e foi há mais de quarenta anos. Sempre que posso, falo a língua a que gosto de chamar fafês. Resultado: chamam-me parolo, labrego, matarruano, riem-se de mim.
Já o outro, urbanita de grande metrópole, frequentador de mundo e telejornais, ajeita delicadamente os botões de punho de dezoito quilates, afaga a gravata hermès sofisticada e cara, faz biquinho com os lábios suspeitos e diz, finíssimo porém acutilante, ânus da prova. Ânus da prova, é o que ele diz! Ânus da prova para aqui, ânus da prova para ali, enche a boca de ânus da prova! E chamam-lhe ó-doutor, jurista, comentador, especialista em molduras penais. E ninguém se ri.

domingo, 23 de fevereiro de 2025

Havia guichos e guichas

Guicho é esperto, inteligente, arguto, atento, muito vivo, buliçoso. Guicho, em Fafe, era elogio. E havia guichos e guichas. E os "ches" de guicho e guicha eram, como sempre, carregados, robustos. "O meu neto é muito guicho", dizia-se. "Era uma velhinha toda guicha", escrevi algures a propósito de determinada fafense excelentíssima. Alguém que recuperava a olhos vistos de uma doença grave ou prolongada, também estava ou ficava guicho, isto é, saudável, com energia. Assim se falava na nossa terra. Guicho ou guicha eram igualmente palavras de uso agrícola, quintaleiro, serviam, por exemplo, para qualificar uma planta recentemente transplantada e que já se apresentava viçosa, vivaz, levantada. Sim, guicho podia ser, ainda, isso: direito, erecto, teso.

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2025

Há palavras com piada fina

Questões entre parênteses
Quando os parênteses lhe caíram na lama, ele substituiu-os por vírgulas.

Gosto de nomes, gosto do falar antigo, gosto das palavras. Gosto de palavras com piada fina, palavras como parreca, como esbraguilhado, como caguinchas, como cachicha, como peneirento, como pinante. Palavras à moda de Fafe. Mas ainda gosto mais de palavras desalinhadas, subversivas, fora-da-lei. Palavras universais, matreiras e despudoradas. Gosto de palavras que não são o que parecem. Aprecio especialmente as palavras que violam a ordem estabelecida, provocadoras, palavras que viram a norma de pernas para o ar e a abusam, como por exemplo, sem ofensa para os presentes, solhão, cordão, pontão, estradão, picão, mosquetão, cartão ou calção.
Cá está. Cá estão: solhão, cordão, pontão, estradão, picão, mosquetão, cartão e calção, palavras rematadas com o famoso sufixo "ão", unanimemente considerado pelos mais reputados gramáticos como um dos sufixos por excelência para a formação de aumentativos. E, no entanto, para quem sabe das coisas, solhão é uma espécie de solha mais pequena, cordão é uma corda de bolso, pontão é uma pontinha sobre um ribeiro, estradão é uma estrada estreita e geralmente em terra esburacada, aliás conveniente para ralis, picão é uma picareta diminuta, ferramenta de mineiros, mosquetão é mais curto que mosquete, cartão é menor que carta e calção é cueca ou calça curta. São excepções que, como se diz, confirmam a regra? Não, pelo contrário: são palavras que querem que as regras vão dar uma volta.
Evidentemente a palavra pilão levar-nos-ia muito mais longe. Mas fica para a próxima.