Ai rapariga, rapariga, rapariga
A jovem mãe aproveitou o inesperado bocanho da manhã farrusca e incerta para descer até ao passeio da praia com a filhinha pela mão. Que bonitas, as duas, tão frescas e mimosas! A jovem mãe apontou o areal e disse naquela maneira pateta de falar às criancinhas, como se as criancinhas fossem atrasadas mentais ou, vá lá, cãezinhos de estimação:
- Ei!, tantas pombinhas, tantas pombinhas! Eeeiii! Ó pombinhas, ó pombinhas!...
A menina, pouco convencida porém obediente, correspondeu com um económico e timorato:
- Ei.
Tinha razão a pequena. Já suficientemente grande para saber a verdade das coisas. Eram gaivotas.
Moro mesmo em frente ao mar, se me puser de lado. Na varanda de casa, sem marquise, depois de um jantar mais coisa e tal, eu gostava de fumar a minha cachimbada e beber um fundinho de CRF em balão previamente aquecido. "Em balão previamente aquecido". Não sei quem foi o génio que inventou a frase e o conceito, mas, garanto-nos, sabe quase tão bem dizê-lo como bebê-lo. Eu parece-me que já trouxe a ideia de Fafe, e lembro-me que quem gostava também de repetir amiúde a curiosa expressão era o Silva da Sargaça, ou Chico Silva, velho camarada de merendas e desconversas líquidas, exímio praticante do falar antigo e excelentíssimo músico da Orquestra Sinfónica do Porto e da nossa Banda de Revelhe.
E balão, para mim, é mesmo balão. Não um balãozinho ou um balo. É balão, bojudo e de boca larga, tipo Alberto João Jardim nos seus bons velhos tempos. O conteúdo até poderia ser pouco, e era, um dedo apenas e medido pela minha mulher, mas o continente eu queria-o pela medida grande.Moro em frente ao mar, dizia eu, e tenho uma vizinha que dá de comer às gaivotas. A sério, dá de comer aos gatos e às gaivotas. E as gaivotas, que vêm ao cheiro, não me largam a varanda. De dia e de noite. Todos os dias e todas as noites. Creio que ainda ninguém explicou a estas gajas que só me deveriam bater à porta em caso de tempestade marítima, como manda o sapiente provérbio popular.
Ora, a gaivota é um bicho que, como a maioria dos portugueses, come toda a espécie de porcarias e, padecendo de intestino fraco, anda quase sempre de soltura. Resultado: quando a gaivota abre a cloaca, sem aviso nem circunscrição, chovem cagadas de alto lá com elas. Quem tinha capacete, tinha, quem não tinha, que tivesse. Isto é científico.
Portanto, moro praticamente em frente ao mar e estava na varanda à conversa com o CRF em balão previamente aquecido, deitando um olho, de quando em vez, lá dentro na sala, a um desenxabido Gil Vicente-Olhanense, e isto é que eu ainda não tinha dito. Foi num desses momentos, no exacto momento em que eu disponibilizei o meu olho esquerdo para mais um fora-de-jogo mal assinalado, ainda por cima, que o estepor da gaivota do costume - já te conheço a fronha, ó cagona! - resolveu aliviar lastro, com uma pontaria tamanha que me acertou em cheio no indefeso balão de boca larga.
Antes de ficar realmente incomodado, pensei: isto é uma metáfora do pobre país que somos, todos nos defecam em cima, até as gaivotas, e pela boca morre o peixe. Bebi um golo, e não era metáfora nenhuma. Se quereis saber a verdade, e com vossa licença, era mesmo merda.
Entretanto o Olhanense desceu de divisão, o Gil Vicente também, mas tornou a subir, foi inventado o VAR, que é outra grande chostra, eu deixei de beber CRF e de fumar, tenho em casa 25 cachimbos inúteis e belos que são um bom princípio de museu ou talvez de um centro interpretativo, ainda estou à espera de um subsídio europeu, a Banda de Revelhe quase rebentavam com ela, as gaivotas continuam a cagar-nos em cima e os políticos, de uma forma geral, também. E nós por cá na vidinha e olhando o mar, a ver navios e estupidamente sem capacete.
Portanto, moro praticamente em frente ao mar e estava na varanda à conversa com o CRF em balão previamente aquecido, deitando um olho, de quando em vez, lá dentro na sala, a um desenxabido Gil Vicente-Olhanense, e isto é que eu ainda não tinha dito. Foi num desses momentos, no exacto momento em que eu disponibilizei o meu olho esquerdo para mais um fora-de-jogo mal assinalado, ainda por cima, que o estepor da gaivota do costume - já te conheço a fronha, ó cagona! - resolveu aliviar lastro, com uma pontaria tamanha que me acertou em cheio no indefeso balão de boca larga.
Antes de ficar realmente incomodado, pensei: isto é uma metáfora do pobre país que somos, todos nos defecam em cima, até as gaivotas, e pela boca morre o peixe. Bebi um golo, e não era metáfora nenhuma. Se quereis saber a verdade, e com vossa licença, era mesmo merda.
Entretanto o Olhanense desceu de divisão, o Gil Vicente também, mas tornou a subir, foi inventado o VAR, que é outra grande chostra, eu deixei de beber CRF e de fumar, tenho em casa 25 cachimbos inúteis e belos que são um bom princípio de museu ou talvez de um centro interpretativo, ainda estou à espera de um subsídio europeu, a Banda de Revelhe quase rebentavam com ela, as gaivotas continuam a cagar-nos em cima e os políticos, de uma forma geral, também. E nós por cá na vidinha e olhando o mar, a ver navios e estupidamente sem capacete.
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