Quando for pequeno
"Quando for pequeno, quero ser palhaço e astronauta", disse o ancião, sonhador e triste. Com efeito, aquela sociedade funcionava às arrecuas: nascia-se velho e morria-se a chupar no dedo. Era naturalmente governada por garotos.
Estou mortinho que chegue o Dia Mundial da Terceira Idade, dia dos nossos velhinhos, coitadinhos, nem que tenha de ser antes. Que festa tão bonita! Levantar cedo, roupinha de domingo, pó de talco e perfume, chá e bolachas e ala para a camioneta, nem que não queiram. Lá vão os nossos velhinhos de cu tremido, cantando bonitas cantigas do Quim Barreiros ditadas ao microfone pela senhora doutora da Junta, que até já foi ao Preço Certo e agora é candidata. Missinha, santa missinha, um regalo, nem que não queiram, e Quinta da Malafaia para enfartar a mula, nem que não queiram, tantos velhinhos, tantos velhinhos, ó que extraordinário velhódromo, velhinhos de tantos lados, atordoados, perdidos, sem saberem de que terra são, tantos senhores presidentes de câmara, sorridentes e abraçadeiros, de mesa em mesa, e os fotógrafos solícitos e oficiais sempre atrás, acotovelando-se, ai que dinheiro tão bem empregue pelo orçamento municipal, vêm aí as eleições! Os velhinhos sobreviventes, nem que não queiram, regressam ao sol-pôr com o saco cheio, nem sempre entregues na terra certa. De volta à naftalina, à indiferença e ao esquecimento, até daqui a um ano, se Deus quiser.
Sem comentários:
Enviar um comentário