Os simples
Ele era um pregador muito terra a terra. Proclamava: - Bem-aventurados os bem-aventurados porque serão bem-aventurados.
Oremos. A minha sogra estava a ver na televisão a missa do 13 de Outubro no Santuário de Fátima. A santinha, isto é, a minha sogra, que graças a Deus não padece de fastio, antes pelo contrário, costumava almoçar cerca das 11h30, nunca mais tarde, mas a missinha tomara realmente conta dela, ensimesmada numa tremenda devoção, sem precisar sequer de deitar os olhos ao aparelho. Resolvi, ainda assim, espreitar à porta da sala e perguntar-lhe, a medo, num sussurro, se quereria comer à horinha ou se esperávamos pelo fim das cerimónias. - No fim da santa missa!, respondeu-me com rispidez, como sempre e como se por um segundo eu lhe tivesse interrompido o Céu. Pronto: a mesa podia esperar.
Os ponteiros do relógio andaram um quarto de hora, mas a televisão não: a missa continuava no mesmo sítio. Era a comunhão e a fila de comungantes não havia maneira de chegar ao fim. A minha sogra agitava-se, os impasses incomodam-na sobremaneira, especialmente se lhe atrasam o tacho. Levantou-se então do trono, com aqueles ruídos que fazem parte, e ordenou a todos os seus súbditos, que sou apenas eu, miseravelmente eu: - Vamos mas é comer, que isto é povo sem jeito para a sagrada comunhão!...
Sem comentários:
Enviar um comentário