domingo, 28 de dezembro de 2025

O nosso António-Pedro

Às moscas
As salas de cinema estão às moscas - dizem. Realmente a limpeza já não é o que era.

Uma vez, há uns bons há treze anos, manifestei a minha mais simplória estranheza derivada ao facto de o Município de Fafe, a minha terra, ter perfilhado o cineasta portuense Manoel de Oliveira e até lhe ter dado de prenda uma bonita sala de cinema, isto é, ter dado o nome de Manoel de Oliveira à Sala Manoel de Oliveira do Teatro-Cinema de Fafe. Não percebi de onde é que se desencravou a extraordinária ideia, a eventual razão da coisa, que relação haveria ali, e até escrevi na altura: "ainda me hei-de rir quando (e se) conseguir perceber porquê".
Mas ainda não percebi. Resultado: estou há treze anos sem me rir, é preciso ter azar, e tanta seriedade já me faz diferença, começo a ficar com cara de pau, uma cara talvez como a do nosso bom Zé Carlos Estantio, mas ao contrário.
Por outro lado. O cineasta António-Pedro Vasconcelos (1939-2024) nasceu em Leiria e viveu geralmente em Lisboa, mas vinha amiúde e em miúdo a Fafe, "onde tinha e tem família", segundo li e ouvi na FafeTV. Em 2015, homenageado na quinta edição do Fafe Film Fest, o realizador de "O Lugar do Morto", o cineasta que acreditava no grande público e queria que as pessoas vissem cinema, o autor de muitos êxitos de bilheteira e de algumas obras-primas, fez questão de dizer esta coisa linda: "Nasci, acidentalmente, em Leiria, mas considero-me um homem do Norte e, em particular, de Fafe, terra onde vivi parte da minha infância".
Perante tamanho confessamento de fafismo, que eu, verdade seja dita, por acaso até desconhecia, a benemerente Câmara de Fafe, se deu ao outro uma sala, ao outro que não nos pertence, que não nos é nada, a este, ao António-Pedro, que se reclamava nosso, assim na boa, e por isso é efectivamente nosso, com todo o direito, tem de dar pelo menos um salão. Isso, um salão, nem que seja ao ar livre. Até estou a ver, com luzinhas e estrelinhas a acender e a apagar, no meio do Largo, música de John Williams, ou do Rodrigo Leão, tanto me faz, não sou esquisito, passadeira vermelha e enormes holofotes à Hollywood apontando ao céu, como se chamassem pelo Batman ou pelo Custódio Ardegão: "Salão António-Pedro Vasconcelos"...
Ou então que mandem o António-Pedro para a bicha, como fizeram com o escritor também nosso João Ubaldo Ribeiro.

E, já agora, com esta termino: a sala de cinema do Teatro-Cinema de Fafe devia chamar-se, por exemplo, Sala Dona Laura Summavielle. Mas, para saber disto, se calhar era preciso ser-se de Fafe desde pequenino...

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