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quinta-feira, 31 de julho de 2025

A Póvoa agora é em Fafe

Vá ver a neve, hoje!
A melhor altura para ir ver a neve à serra da Estrela, acho eu, é agora, no Verão, em pleno Agosto, hoje por exemplo. Não há neve, mas pode-se passar.

É extraordinário o que se passa em Fafe por estes dias. Finalmente sem precisar da Póvoa de Varzim para nada, quem havia de dizer, Fafe tem a sua própria época balnear, de papel passado, reconhecida pelo notário, anunciada em edital, com bandeira e diploma, talvez até com batata frita à inglesa, bolas de Berlim, língua da sogra e caladinhos, nadadores-salvadores, mirones, pedintes e carteiristas. Serviço completo. Que coisa tão estranha para um tipo antigo como eu! Sobral de Monte Agraço teve, à altura, o seu parque infantil, que saiu no Tide e dava na televisão, e Fafe agora também tem época balnear, como os outros brasis e algarves da concorrência, sem lhes ficar atrás. Que sainete! Foi preciso esperar pelo século XXI, aguentar pacientemente as patifarias das alterações climáticas, inclusive correntes de ar, mas valeu a pena: Fafe está realmente mais fresco.
O meu irmão Nelo bem dizia, em pequeno, que, quando fosse grande, ia mandar construir uma praia em Fafe, uma praia com mar e tudo. E a verdade é só uma. Não foi o nosso Nelo, por acaso, mas alguém a construiu, e em boa hora, ela aí está, a praia da Barragem de Queimadela, ele aí está, o nosso mar, o sexto oceano, aberto ao expediente e em glorioso funcionamento. O nome "de Queimadela", para praia, se calhar não será o mais feliz, o mais acolhedor, por assim dizer, antes pelo contrário, mas, pronto, já constava, vinha de trás e, portanto, não havia volta a dar, esqueçamos o pormenor. Qualquer dia, estamos mas é a receber camionetas de poveiros, que vêm à procura do que é bom.
Para mim, no meu tempo, antes da construção do nosso mar, Fafe tinha três esplêndidas estâncias balneares: o Poço da Moçarada, em Docim, o Comporte, na Fábrica do Ferro, e Calvelos, em Golães, pelos campos de Sá, atravessando a linha do comboio. Três oásis que eu, na minha boa fé ou ingenuidade infantil, supunha longínquos, praticamente inacessíveis e secretos. Sítios de banhos, puros e duros, sem facilidades, só para homens de barba rija. E nós, os putos, sorrateiramente desenfiados, lingrinhas de pé descalço e pila ao léu, autoprojectos assumidos de futuros ecoturistas, hippies sem sequer fazermos ideia, íamos para lá treinar para a Póvoa de que ouvíamos falar, porque algum dia havia de ser. O pior era a minha mãe, que parecia que tinha radar e, uma desgraça nunca vem só, sabia sempre por onde é que eu andava e o que fazia. E, portanto, ia-me buscar. Pelas orelhas. Eu chorava e prometia que nunca mais, pelo menos até à tarde do dia seguinte.
Eu sou, aliás, especialista em épocas e instalações balneares. Não ouso colocar Fafe no topo da lista nacional de estâncias termais, seria porventura um exagero, e eu não sou disso, mas a verdade é que conheci muito bem os balneários do Campo da Granja e ainda cheguei a entrar nos balneários do Campo de São Jorge, então já oficialmente desactivado, mas funcional para jogos escolares ou de solteiros contra casados. Eu seria miúdo de escola primária. Três ou quatro anos depois, quando o Estádio começou a ser construído, nas vésperas da década de setenta, os vestiários foram provisoriamente montados na cave do quartel dos Bombeiros e eu passei a ser freguês diário do Senhor Zé Manquinho, o roupeiro dos roupeiros, numa amizade sem fim. Como decerto sabeis, eu era neto do quarteleiro, estava sempre ali de plantão, era só descer as escadas. Nas férias do seminário, não tínhamos água quente em casa, e era no balneário da AD Fafe que eu tomava banho duas ou três vezes por semana, antes dos jogadores chegarem para os treinos e sem estorvar o despacho. Levava toalhão, sabonete e roupa interior para mudar. Por sugestão do Senhor Zé Manquinho, eu era conhecido nas catacumbas como "o homem que adormece no chuveiro", tamanho era o prazer que o duche me dava e o tempo que eu lá passava, debaixo de água, nem sei como é que nunca engelhei. Era uma espécie de Homem da Atlântida ou Aquaman, mas às pinguinhas.
Com o banho, eu tinha direito a uma bebida. Isto é, não tinha direito a bebida nenhuma, mas fazia-me e ela. Inventava um ligeiro afrontamento, queixava-me de uma pontada de azia, e o Senhor Zé já sabia. Mandava-me esperar pelo João Americano, o massagista, o único que tinha a chave da "Farmácia", palavra escrita a esferográfica azul no adesivo colado na testa do pequeno armário branco e vidrado com três prateleiras que era a própria "Farmácia" e pouco maior do que uma mesinha-de-cabeceira. O João chegava da fábrica, gozava comigo, falava muito alto, esganiçado, parecia a cantadeira de um rancho folclórico, mas também já sabia: dava-me um copo de água com uma colher de "sais de fruto", Eno, se bem me lembro, eu adorava aqueles piquinhos, bebia regalado, uma, duas goladas sem deixar cair, arrotava com toda a categoria e, boa tarde e muito obrigado, estava pronto, estava feito.
Admito que foi ali que o João Americano, o Senhor Zé Manquinho e eu inventámos o spa com champanhe, conceito hoje em dia tão coisa e tal, mas evidentemente não sabíamos.

quarta-feira, 28 de maio de 2025

Em Agosto, Fafe mudava-se para a Póvoa

Estou mortinho pelo Verão. O calor, a praia, o mar, a areia, os biquínis, as sungas, as bolas, o Algarve. Uma vez fui ao Algarve. Fui, palavra de honra, em 1981, se não estou em erro. E, quer-se dizer, fiquei servido.

A Póvoa de Varzim, que era Fafe no Verão, enormou-se sem rei nem roque. Cresceu a torto e a direito - e digo bem, literalmente a torto e a direito. Cuido que a culpa não é só dos fafenses apartamenteiros, que, na verdade, são mais que as mães. Outros culpados haverá, por exemplo derivados de Famalicão ou de Felgueiras, gente igualmente de mostrar e com fábricas e ferraris que entretanto faliram. As fábricas. E os operários respectivos e indefesos. Os ferraris estão bem, graças a Deus, na garagem disfarçada de lavandaria atrás do lago do menino que mija e da piscina de plástico. Os da Póvoa de todo o ano só agora deram fé que foram encabados. Arruinaram-lhes os quartinhos de aluguer e as vistas. São prisioneiros domiciliários, vedados por um colossal muro de betão que lhes rouba a praia, o ar e a vida. A cidade dos empreiteiros aluga-se. É o que diz nas janelas desesperançadas.

Fafe mudava-se no Verão para a Póvoa. E de que falavam os fafenses, uns com os outros, nas vésperas de irem de férias? Falavam de sectores. Era importante saber, os fafenses perguntavam-se reciprocamente "em que sector estás?", "para que sector vais?", enquanto metiam a mobília de casa na mala do carro, na camioneta de aluguer ou no autocarro do João Carlos Soares, e a conversa entrava numa onda, parecia, de quem discute números de porta ou terminações de lotaria, mas eles lá se entendiam e marcavam encontros, se calhar só da boca para fora.

Quer-se dizer, Fafe mudava-se no Verão para a Póvoa, e eu agora também. Não cuideis que estou no gozo. À falta de posses para outros algarves, eu próprio passei a fazer férias na Póvoa de Varzim, todos os anos, geralmente à terça-feira à tarde.
As minhas férias deste ano foram temporãs, gozei-as no passado dia 8 de Abril, depois de irmos ao Correio levantar a reforma. Peguei na mulher e ala para a Póvoa, com transbordo na Senhora da Hora. Saímos depois de almoço, mas para mim o almoço já conta como férias. Comemos em casa dois bijus, um para cada, levantámos a mesa, varremos a sala, lavámos a louça, regámos os vasos, desligámos a água, a luz e o gás, fechámos a porta com três chaves e uma tranca, pedimos à vizinha que deitasse os olhos e lá fomos apanhar o metro. A viagem correu muito bem.
A Póvoa estava um bocado ao deus-dará, praticamente de vago, decerto derivado à chuva que caía desalmadamente, uma falta de respeito para veraneantes que, como nós, não gostam de confusões e tomam horas para o Verão. Mas há cada vez mais andares e apartamentos para vender e quartos por alugar, de acordo com os letreiros que se acotovelam. A língua oficial da Póvoa de Varzim, entre os meses de Junho e Agosto, é o francês com caralhos no meio. No resto do ano também. Eu e a minha mulher foi como se estivéssemos no estrangeiro, embora com caralhos no meio e bastante molhados, e ainda há um bocadinho tínhamos saído de casa com um rico dia de sol. Por falar nisso, liguei à vizinha para saber se estava tudo bem. Estava.
Aproveitámos as férias em cheio. Olhámos para o casino e para o Cego do Maio, fomos espreitar as montras com bolas de berlim, a praia, os banhos e as banhas. Não havia. Fomos às piscinas, ao museu, à biblioteca, à praça de toiros demolida e ao estádio que qualquer dia também, mas fomos sempre pelo lado de fora, para não incomodar. Não percebo quem diz que não tem dinheiro para ir de férias. Eu e a minha mulher fomos e às 17h45 já estávamos outra vez no lar doce lar, encharcados como pitos mas felizes da vida. Mais: resolvi fazer um prolongamento extraordinário das férias, e demo-nos ao luxo de jantar. Dois bijus, um para cada, e uma colher de xarope para a tosse bebida a meias.
As minhas férias ficaram-me por 10,65 euros. Ora portanto, 24 cêntimos dos dois pães do almoço, dez euros de dois andantes Z5 (cartões incluídos) para as viagens Matosinhos-Póvoa de Varzim e Póvoa de Varzim-Matosinhos, mais os 24 cêntimos dos papos-secos do jantar, uma extravagância, e 17 cêntimos da chamada para a vizinha. Total: 10,65 euros, com todas as tarifas incluídas, o xarope para a tosse tinha-me sido dado como amostra. Quase onze euros, um bocado puxado, é certo, e não dá para descontar no IRS, mas é uma questão de nos organizarmos durante o resto do ano.
A minha mulher ainda quis ir a uma agência de viagens, para ver se a coisa nos saía mais em conta - como se nós fôssemos uns necessitados! Mandei-a dar uma volta e ela passou as férias todas sem me falar.

sábado, 26 de abril de 2025

O banheiro e a banheira

Havia o banheiro. Que era um senhor geralmente concessionário de um pedaço de praia camarária e que, pelo Verão, na chamada época balnear, alugava barracas e cadeiras, e disso fazia modo de vida para o ano inteiro. É só ir à Póvoa de Varzim, à nossa Póvoa, a Póvoa que alimentamos e que nos chama "parolos", aos fafenses. Havia o banheiro. Que era um senhor robusto de calças arregaçadas que se embrulhava numa vestimenta de oleado de cor mais ou menos berrante, velho salva-vidas que levava ao banho de mar, a bem ou a mal, adultos enfermos e sem poder de locomoção ou crianças renitentes e ganintes, como no meu tempo de miúdo, na Colónia Balnear Doutor Oliveira Salazar, na Gala, Figueira da Foz, para pobres registados e sem piolhos, após vistoria relâmpago no Posto Médico de Fafe, ou ainda hoje em dia no ritual do banho santo de São Bartolomeu do Mar, Esposende. Havia o banheiro. Que era a retrete, a sentina, a latrina, a privada, o WC, a casa de banho, a casinha, o lavatório, a tina, o lavabo, o sanitário, a sanita, o toalete, sobretudo no Brasil. Portanto havia o banheiro. E havia a banheira. A banheira era a mulher do banheiro.