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sexta-feira, 1 de agosto de 2025

O terraplanista

Desenho Nestinho

A Terra tem diversos movimentos. Os mais famosos movimentos da Terra são o movimento de rotação, que é a Terra a andar egocentricamente à volta de si mesma - tipo Jorge Jesus ou André Ventura, sem ofensa para o primeiro - , e o movimento de translação, que é a Terra, agora modesta e submissa, hipnotizada, a andar à volta do Sol, qual aborboletinha avoando em torno dos afilamentos das alâmpadas, como diria o outro, o das imitações. Ora bem. O que me espanta é que tanto safanão não desequilibre a Terra nem a faça entornar os oceanos ou despencar por aí abaixo os desgraçados habitantes do hemisfério sul, que praticam o pino durante o ano inteiro. Quer-se dizer: não desequilibra mas incomoda. E por estas e por outras é que a Terra anda ligeiramente chateada nos pólos.

Posto isto. O desenho, feito de encomenda, é obra do Nestinho, Ernesto Brochado, um verdadeiro apaixonado por Fafe, ou fafense amador, provavelmente a figura mais conhecida e respeitada do mototurismo nacional, dirigente do Moto Clube do Porto e da Federação de Motociclismo de Portugal, alma mater e organizador crónico do extraordinário Lés-a-Lés e de dezenas de outras iniciativas do género e de menor dimensão. O Nestinho, que é cicloturista e ex-ciclista, que é atletista e maratonista bissexto, que é eminente motociclista, evidentemente mototurista, raramente motorista e às vezes motosserrista, que é maquetista, cartunista, desenhista, ecologista e portista, que aprendeu comigo a gostar de Fafe, e gosta muito, que é provavelmente uma das cinco melhores pessoas do mundo, e, tenho de dizer, eu nunca soube das outras quatro.

terça-feira, 24 de junho de 2025

O homem e o cão (e vice-versa)

O melhor amigo do cão
Havia um cão que tinha um dono muito bem mandado. Um dono obediente, brincalhão, carinhoso, esperto - só lhe faltava ladrar.

Todas as manhãs o homem e o cão passeiam pela praia, naquela incerta linha de sobe e desce onde o mar enrola na areia e acaba Portugal. Par pândego, havíeis de ver. O homem atira a velha bola de ténis e o cão, dez-réis de cão, rasteirinho e de raça incerta, corre e salta, como uma bala, como uma mola, abocanhando-a, à bola gasta e sebenta, ainda no ar. Cão danado para a brincadeira. E habilidoso. "Bem, muito bem, espectáculo!", diz o homem. E o cão regressa e larga a bola, e corre e salta à volta do homem, e ladra no verdadeiro ladrar que não morde, e abana o rabo, abana, que quer dizer "Obrigado, estou muito contente, mais, quero mais!...", e põe a língua de fora, que quer dizer "Ainda havemos de fazer isto mas ao contrário".
Um quadro enternecedor. Homem e cão, numa simbiose perfeita. O amigo dos animais e o melhor amigo do homem. Fossem eles polícias, o homem e o cão da bola de ténis, matinais frequentadores de oceanos, e estaríamos na presença de um binómio exemplar e definitivo. Decerto já vistes nas notícias: binómio é um polícia e um cão que são colegas de trabalho. Já um carteiro e um cão, se coincidirem, são um perónio. Um perónio partido e o fundilho das calças esgaçado.

(Lembro-me agora. Aquilo de passear o canídeo à beira-mar, eu bem o tentara em Fafe, nos meus vinte anos, com o Buck, o nosso cão na Rua do Assento. A beira-mar que tínhamos mesmo à mão, e por acaso bem jeitosa, se não fossem as silvas e outro restolho jurássico, eram as bordas do rio de Pardelhas, quando levava água, mas o Buck nunca me deu hipótese. O cão era quase do meu tamanho, muito mais forte do que eu e completamente dono do seu nariz. Saímos apenas uma vez. No seu habitat natural, o Buck era manso para as pessoas de dentro e sobretudo para as crianças. Sim, era lerdinho, porém destrambelhado. Gostava muito de brincar com gatos e galinhas, às vezes matava dois ou três frangos, mas era sem querer, diga-se em abono da verdade, fruto da loucura do momento, no descontrolo e afã da brincadeira. Íamos então passear, eu e o cão. A coleira do Buck parecia a soga de um boi. Coloquei-lhe a poderosíssima trela, feita por encomenda e medida, própria para bisontes e elefantes, custou uma fortuna, dei-lhe calmamente a primazia, pus o pé fora de porta, todo lampeiro, e, como um raio ou talvez uma enorme marretada, num safanão sem preliminares nem precedentes, fui imediatamente arrastado de cangalhas para o empedrado, levantei-me como e quando pude, sempre de zorra, o Buck galopava a seu bel-prazer, sem parar sequer para cheirar ou alçar a perna, e eu atrás, agarrado à trela como quem se agarra à vida, aos solavancos, aos repelões, aos trambolhões, contra esquinas, árvores de pequeno e médio porte, tabuletas de trânsito e demais mobiliário urbano, o caralho do cão andou a exibir-me e a enxovalhar-me por onde lhe apeteceu, a vila inteira à janela a rir-se de mim, a fazer pouco do moço tolo, o filho da viúva da Bomba, tornei a casa feito num oito, num cristo, quando sua excelência achou que já chegava, e portanto nunca mais.)

Todas as manhãs, dizia, tornando à praia atlântica. Eu também por ali ando comigo pela trela e por isso é que sei o que estava a contar, mas ninguém me atira a bola, e antes assim. Ontem desatei a rir com o raio do cão, que realmente tem jeito, parece do circo o lingrinhas, um autêntico brinca-na-areia. Entre uma acrobacia e outra, o cão tendia a enfiar-se na água, coisa de cão certamente, e o homem dizia "Sai daí, Rex, anda cá, Rex, já vais levar, Rex!...", nem de propósito Rex, eu seja cão se estou a inventar. O cão chamava-se mesmo Rex, como o cão actor, o cão artista da televisão, e, sem terem nada a ver um como o outro, por acaso até vinha a propósito. O homem, que tomara nota do meu riso, decidiu pôr-me ao corrente, quisesse eu ou não: "É todos os dias isto, a mesma merda, ele gosta, o filhadaputa do cão mete-se no mar e eu depois é que me fodo a dar-lhe banho, secar e escovar, olha, lá vai ele outra vez, ó corno!, ó boi!, não adianta, fode-me sempre..."

O cão resolveu apanhar a última, mas sem boca. Estava-se a armar para mim, eu dei fé, creio que lhe percebi até um certo piscar de olho. Dominou a bola com o peito e, sem deixar cair, rematou em grande estilo e foi golo, palavra de honra que foi golo. Depois colocou o açaime ao homem e levou-o para casa.

terça-feira, 27 de maio de 2025

O nosso mar

Ou por outra. Os oceanos são na verdade seis: Atlântico, Pacífico, Índico, Glacial Árctico, Glacial Antárctico ou Austral e Barragem de Queimadela. O oceano Atlântico separa a Ásia e a Oceania da América. O oceano Pacífico separa a América da Europa, da Ásia e de África. O oceano Índico banha o sul da Ásia e separa África da Oceania. O oceano Glacial Árctico banha os arredores do Pólo Norte, entre limites da América, Europa e Ásia. O oceano Glacial Antárctico ou Austral circunda a Antárctida. A Barragem de Queimadela diz respeito às freguesias de Monte, Queimadela e Revelhe, evidentemente em Fafe.

sexta-feira, 23 de maio de 2025

Delícias do mar

Estatisticamente saciados
Cada português come, em média, cerca de 15 quilos de bacalhau por ano, diz o Norwegian Seafood Council e repetem os nossos jornais. É a beleza e a fartura das estatísticas: todos nós comemos bacalhau, mesmo os que não gostam de bacalhau, mesmo os que não comem bacalhau e mesmo os que, derivado à pobreza e à fome, não comem coisa nenhuma. Todos comemos, queiramos ou não, possamos ou não, comamos ou não, e pela medida grande. Quinze quilos para cada um, não fazemos a coisa por menos..

Areia macia e morna, água, espuma, o sal da terra, cheiro a argaço, sol quando Deus quer, a brisa nas ventas, o falar das ondas, o silêncio do horizonte a ganhar de vista, madrugadas de pés molhados, ocasos de fogo, um fino bem tirado, pescadores, peixeiras, surfistas, parassurfistas, ciclistas e todos os tipos de nudistas, vagas memórias infantis de uma semana em família na Póvoa de Varzim, o amor e a Foz portuense, Matosinhos, a ver navios, camarão da costa, gambas cozidas e "tigres" grelhados no Peixoto de Fafe que já não é, cracas em São Mateus, alcatra de peixe no Boca Negra, lapas em casa do Victor e da Ana, ilha Terceira, ilha Terceira, ilha Terceira, ecos de Nemésio, mexilhões de vinagreta, masoquistas esturricando Agosto e areando os entrefolhos, amêijoas à Bulhão Pato no portinho de Âncora, o bacalhau assado na brasa do Senhor Álvaro em Valença, o bacalhau assado no forno pela minha mãe, o bacalhau de quarto da minha avó de Basto, os bolinhos de bacalhau da Albertininha da Lameira, as pataniscas da minha mulher, as sardinhas fritas do Paredes, que era só atravessar a estrada, a punheta de bacalhau do meu cunhado Álvaro, as trutas "do Coura" do querido amigo Vilaça Pinto, que, palavra de honra, era como se fossem marítimas, polvo de molho-verde, o meu polvo frito, as lulas recheadas da minha sogra, as sardinhas assadas da saudosa Dona Dina na Apúlia, o esplêndido rodovalho para "o senhor do rodovalho" que era eu mal entrava a porta, navalhas na chapa, arroz de tomate com petinga, ou com jaquinzinhos, ou arroz de grelos com, ou arroz de feijão com, mas malandro, malandro, malandro, ou, supra-sumo dos supra-sumos, o arroz de feijão vermelho com grelos e bacalhau frito da minha cunhada Isabel, as fanecas do Manel do Campo com arroz de ervilhas de quebrar, biqueirão, marmotinha de rabo na boca, filetes de peixe-galo, a raia frita no Salta o Muro, nas traseiras do Porto de Leixões, a lagosta na ilha de São Jorge comida à ganância e à moina, as percebes na ilha do Sal, as bandejas nas rias galegas, fish and chips num velho pub irlandês, carapaus grelhados no quintal do meu sogro, ostras de Setúbal degustadas em Bordéus, a mastodôntica cabeça de pescada que vou cozer para o jantar de hoje, os tremoços da Marrequinha da Recta, as castanhas assadas da Maria Barraca e até bolas de Berlim regularmente compradas na Rua da Junqueira mais famosa do país. Isto são delícias do mar. Outra coisa não:
Fitas de nastro tingidas de cor-de-rosa gomitado, cortadas em palitos empacotados e refrigerados em vácuo e vendidos à babuge nos supermercados não são, por mais que lhes chamem, delícias do mar! Não, não e não! Serão tudo o que quiserem - delícias do mar, não!

quarta-feira, 7 de maio de 2025

O mar começa em Fafe, devagarinho

O rio Vizela nasce em Fafe, exactamente no Alto de Morgair, antiga freguesia de Gontim. Depois de banhar Fafe, sobretudo na barragem de Queimadela, o rio Vizela passa também, por esta ordem, pelos concelhos de Felgueiras, Guimarães, Vizela, a que dá nome, e Santo Tirso. Neste seu interessante percurso, o rio Vizela acolhe diversos e variados influentes. O influente mais importante, isto é, o mais influente, é o nosso rio Ferro, mas não podemos esquecer o rio Bugio e, se não me engano, as ribeiras de Docim, de Moreira e de Ribeiros e o ribeiro de Costas Antas. São influentes porque eles é que abastecem de água o rio Vizela, que, por sua vez, é influente do rio Ave, que vem da serra da Cabreira, Vieira do Minho, e desagua no oceano Atlântico, em Vila do Conde. Creio portanto não ser exagero nenhum dizer que o mar começa em Fafe, pelo menos um bocadinho.

sábado, 26 de abril de 2025

O banheiro e a banheira

Havia o banheiro. Que era um senhor geralmente concessionário de um pedaço de praia camarária e que, pelo Verão, na chamada época balnear, alugava barracas e cadeiras, e disso fazia modo de vida para o ano inteiro. É só ir à Póvoa de Varzim, à nossa Póvoa, a Póvoa que alimentamos e que nos chama "parolos", aos fafenses. Havia o banheiro. Que era um senhor robusto de calças arregaçadas que se embrulhava numa vestimenta de oleado de cor mais ou menos berrante, velho salva-vidas que levava ao banho de mar, a bem ou a mal, adultos enfermos e sem poder de locomoção ou crianças renitentes e ganintes, como no meu tempo de miúdo, na Colónia Balnear Doutor Oliveira Salazar, na Gala, Figueira da Foz, para pobres registados e sem piolhos, após vistoria relâmpago no Posto Médico de Fafe, ou ainda hoje em dia no ritual do banho santo de São Bartolomeu do Mar, Esposende. Havia o banheiro. Que era a retrete, a sentina, a latrina, a privada, o WC, a casa de banho, a casinha, o lavatório, a tina, o lavabo, o sanitário, a sanita, o toalete, sobretudo no Brasil. Portanto havia o banheiro. E havia a banheira. A banheira era a mulher do banheiro.