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domingo, 4 de maio de 2025

O Grosso da Coluna e o Maciço Central

A diferença entre o Grosso da Coluna e o Maciço Central pode resumir-se assim: o primeiro é corredor de bicicletas e o segundo joga no eixo da defesa, como agora se diz. E o que têm em comum o Grosso da Coluna e o Maciço Central? Fisicamente falando, pertencem ambos à família dos Armários.

Não era evidentemente o caso de Herculano Oliveira, ciclista do tempo antigo, um poderosíssimo lingrinhas a quem chamavam "Andorinha das Penhas", uma levandisca com pedais, peso-pluma voador, digo eu, capaz até de bater Joaquim Agostinho na subida à serra da Estrela, quer-se dizer, às Penhas da Saúde, e é daí que lhe vem o cognome, o qual, dito assim a quem é, tem tanto de ornitológico como de justo.
Naquele tempo, os ciclistas eram-nos contados pela rádio, com muito emoção e, às vezes, algum atraso. Ouvia-se o relato da Volta, em magotes à roda do transístor em alta-voz, enquanto víamos os treinos ou os jogos de futebol do Fafe. Ouvidos, os ciclistas eram o fim do mundo em cuecas, eram trinta por uma linha, eram tudo e mais alguma coisa e também "ases do pedal", "bravos do pelotão" ou "gigantes da estrada", nome que lhes assentava tão bem e que agora parece que está reservado aos SUV e aos camiões TIR, para além da Brisa e outras mais modestas correntes de ar mensais.
Herculano Oliveira era do Sangalhos, é património do grande Sangalhos - uma potência velocipédica de que decerto os mais novos nem fazem ideia -, mas também passou, entre outras equipas, pela Coelima e fez carreira internacional. Nas décadas de sessenta e setenta, foi 4.º na Volta a Portugal, 22.º na Volta a Espanha e 45.º na Volta a França. Posso dizer, só para me gabar, que, em mocico, estive às vezes à beira dele?...

quinta-feira, 3 de abril de 2025

O Velho Lau e o Lausperene

Que fique assente de uma vez por todas: o Velho Lau e o Lausperene não são uma única e mesma pessoa, como muito boa gente cuida, e, aliás, Lausperene nem sequer é pessoa. O Lausperene, ou Sagrado Lausperene, é a exposição e adoração permanente do Santíssimo Sacramento nas igrejas ou capelas. O Velho Lau é Venceslau Fernandes, ex-ciclista realmente de longeva carreira e pai da triatleta Vanessa Fernandes, Velho porque ganhou a Volta a Portugal de 1984, tinha então 39 anos, e correu até aos 46, derivando talvez daí, de tanta perenidade, a compreensível confusão...

Claro que vi Venceslau Fernandes em acção. Tantas vezes em Fafe, mas não só. Com as camisolas da Ambar, do Sangalhos, do Benfica, do FC Porto, da Ajacto e outras de que menos reza a história. E lembro-me até do Cedemi, embora a minha memória não consiga fazer a ligação ao Velho Lau. Evidentemente também frequentei Sagrados Lausperenes no meu tempo, mas isso, se fosse a contar, já seriam outros quinhentos...

Eu sarapinto, tu sarapintas, ele sarapinta

Não terebintinarás
O verbo terebintinar, esse mesmo, miseravelmente ignorado por quem hoje escreve, lê e fala na ainda chamada língua portuguesa. O verbo terebintinar que, como toda a gente sabe, conjuga-se como o verbo pirilamparar. Evidentemente.

Ele era um extraordinário ciclista e não fazia caso à gramática. Dizia que gostava de correr "isolado, sozinho, sem mais ninguém", porque depois, na chegada à meta, "cada cal é cada cal e cada um sarapinta como pode". Não fazer caso da gramática fazia parte de ser ciclista antigamente. Ele venceu uma Volta a Portugal e era do meu FC Porto e das memórias da minha infância. Carlos Carvalho. Tive o privilégio de conhecê-lo pessoalmente anos mais tarde, eu moço, ele já reformado do pelotão mas não das bicicletas. E então o meu gigante das estradas era aquele homenzinho? Aquilo é que era o colosso de rodas? Era. E fiquei a admirá-lo ainda mais, como quem admira um fazedor de impossíveis.

Em 1976 a AD Fafe resolveu de repente montar de raiz uma equipa de ciclismo e apresentar-se à Volta a Portugal. Não terá sido bem a AD Fafe, mas algumas pessoas ligadas à AD Fafe e amantes das bicicletas, e tudo foi feito em cima do joelho, como convém às grandes empreitadas. Foi-se ao refugo do pelotão nacional e arranjaram-se dois ciclistas e mais dois ou três acompanhantes e desistentes garantidos. Os ciclistas eram o jovem António Alves, que posteriormente brilharia ao serviço do FC Porto, do Coimbrões de mestre Emídio Pinto, se não me engano, e do Boavista, entre outros clubes, e Manuel Martins, fafense de Golães e irmão mais novo do campeão José Martins. Dos outros, infelizmente, não reza a história. Foi-se praticamente à sucata e arranjou-se um velho Mercedes que seria, por assim dizer, recuperado e "preparado" para carro de apoio na garagem do Zé Bastos, ao lado dos antigos Bombeiros. O veículo, que avariava muito bem e parou vezes sem conta nas voltas da Volta, sobretudo quando fazia mais falta aos corredores, era o único acrescento logístico da equipa e seria guiado pelo Fredinho Bastos, condutor experimentadíssimo em corridas mas de automóveis. E foi-se a Pousada de Saramagos, Famalicão, tentar contratar um "treinador".
Uma embaixada fafense deslocou-se à loja-oficina de Carlos Carvalho, que ficava ali à face da estrada nacional, quem depois vira para o campo de futebol do Riopele de má memória pelo menos para nós. Iam talvez o grande Chico Marinho, de quem um dia falarei à parte, o despachado Machadinho, que também já era cobrador da AD Fafe, desse tenho a certeza, não sei se o Fredinho, o David Alves e o seu irmão Gabriel, eventualmente, e por certo alguém da direcção. Posso garantir é que eu fazia parte dessa delegação de alto nível, como modesto observador e porque, tratando-se de Fafe, naquele tempo da minha juventude eu ia com toda a gente para todo o lado. Em Fafe, não sei porquê, estive no meio de tudo ou tudo passou por mim. Fui portanto um espectador privilegiado da história da nossa terra naqueles anos imediatamente antes e após o 25 de Abril de 1974. Ou então, também admito estoutro ponto de vista, fui apenas um considerável emplastro, mas quase sempre a convite, é preciso que se note.

domingo, 30 de março de 2025

Chamavam-lhes "Águias-Clok"

Mal comparando
A lampreia é um ciclóstomo. O João Almeida é um ciclístomo.

No tempo do Valença, do Castro, do Cândido, do Leitão ou do Albano, só para nomear alguns, chamavam "Águias-Clok" à equipa de reservas da AD Fafe, isto é, aos crónicos suplentes e outros supranumerários que, a meio da semana, faziam o habitual "treino de conjunto" contra os titulares. "Águias-Clok", chamavam-lhes, era no gozo, dito e repetido até à exaustão, uma espécie de praxe para deixar bem vincada, de cima para baixo, a diferença de estatuto e classe entre os jogadores de futebol, os verdadeiros jogadores de futebol, e os "ciclistas", os "jogadores de futebol" que apenas corriam, atrevidos a quem a bola eventualmente estorvava, isto lá na gramática deles, e todos se entendiam, que remédio, sobretudo do lado dos mais novos.
Na verdade, para quem não saiba ou não se lembre, Águias-Clok foi uma equipa de ciclismo que existiu mesmo, ligada ao histórico Clube Desportivo "Os Águias", de Alpiarça, com o patrocínio da cerveja Clok, Águias-Clok, portanto, um projecto desportivo meteórico que apareceu em 1977, fez a Volta a Portugal de 1978, com resultados até bastante interessantes, mas desfez-se logo no final desse mesmo ano. E não pensem que era um grupo de aleijados, nada disso, daquele plantel irrepetível faziam parte nomes tão marcantes da velocipedia nacional como Marco Chagas, Alexandre Rua, António Marçalo, Joaquim Carvalho, Joaquim Andrade ou Jacinto Paulinho, entre outros.
Pois em Fafe, no campo de futebol, "Águias-Clok" eram os mais fracos, os ciclistas da bola, os das reservas, ex-juniores e outros jovens, maioritariamente fafenses, à procura ou à espera de uma oportunidade, de um lugar ao sol. A brincar, a brincar, o rótulo fora-lhes colado pelos mais velhos, os "craques" da equipa principal, quer-se dizer, os instalados da vida, sei lá eu se com receio de que algum dos miúdos, mais capaz e afoito, se lembrasse de repente de lhes roubar o lugar e as mordomias concomitantes.
Lembro-me do Moreno e do Tintas. Lembro-me de muitos mais jovens e promissores jogadores desse tempo, na nossa AD Fafe, para prefiro passar os olhos apenas pelas histórias do Moreno e do Tintas, a título de exemplo e porque eram ambos vagamente das minhas confianças. Que injustiça chamar-lhes "ciclistas"! Eram bons de bola, os dois, ainda que completamente diferentes um do outro, o Moreno, médio levezinho, com visão, habilidade e passe, e o Tintas, defesa lateral, mais físico e irreverente, às vezes rematador. O Moreno, se não estou em erro, ainda passou pelo Vianense e voltou, e o Tintas, que chegou a prestar provas no FC Porto ou andou por lá perto, era a vítima preferida do treinador Júlio Teixeira, que também padecia de uma grande pancada, chutava descalço, falava pelos cotovelos e dava a táctica para a bancada.
Se o Tintas e o Moreno engataram depois um percurso particularmente brilhante como jogadores de futebol, coisa constada, pelo menos ao nível dos cinco nomes lá de cima? Isso parece-me que não, ou então estarei mal informado. O Moreno e o Tintas tinham todas as capacidades físicas e técnicas para o sucesso, para altos voos, mas faltava-lhes, estou em dizer, um bocadinho de vocação. Um bocadinho assim. Talvez, ao fim e ao cabo, eles não estivessem realmente para ali virados.
Se, por causa do futebol, o Moreno e o Tintas foram, em última análise, dois excelentes ciclistas que se perderam? Não creio. Atleticamente falando, o Tintas desembaraçava-se com assinalável destreza no bilhar do Café Arcada, disso recordo-me muito bem, mas também não sei se seguiu carreira de taco na mão...