Eu vi o Natal!
Subi ao farol e vi o Natal! Isto é. Não vi nada, estava a brincar. Eu não subi ao farol. Tenho vertigens.
Que não. Era melhor esperar um bocadinho. Faltava o espírito natalício...
Eu vi o Natal!
Subi ao farol e vi o Natal! Isto é. Não vi nada, estava a brincar. Eu não subi ao farol. Tenho vertigens.
O ocultismo
Sabe-se muito pouco sobre o ocultismo. Por isso é que se chama assim.
O idoso
Chegou aos 66 anos e quatro meses... e reformou-se. Aprendeu a jogar à sueca, tirou o passe de terceira idade, comprou um capacete, um par de botas de biqueira de aço e um colete reflector, pôs as mãos atrás das costas e foi para o pé das obras mandar palpites.
Certidão de óbvio
As autoridades compareceram no local e confirmaram o óbvio: o morto já se encontrava cadáver. É daí que vem.
Um pé assim e outro assado
Ele tinha um pé de laranja lima. O outro era normal, perfeitinho graças a Deus: cinco dedos, tarso e metatarso, planta ou sola, peito ou dorso, calcanhar e tornozelo, num total de 26 ossos em razoável estado de conservação. E era bom nas bolas paradas.
Branca e radiante
Branca de Neve brincava às casinhas com a casa dos sete anões. Com os anões ela brincava aos médicos. Mas não sei se, hoje em dia, isto se pode dizer.
Para
ParaE apeteceu-me dar-lhe um abraço
O homem caminhava vagarosamente ao lado da mulher. Curvado pelo peso de, fiz as contas, setenta e tantos anos, caminhava ainda assim com uma dignidade evidente. O homem velho, de casaco antigo, asseado, pé ante pé até ao café de praia e ao milagre do sol-pôr, levava as mãos atrás das costas. E nas mãos, reparei, um livrinho da Colecção Vampiro, a antiga: "O Imenso Adeus", de Raymond Chandler. Caramba!, és cá dos meus - pensei. E apeteceu-me dar-lhe um abraço.
Reescrevendo a estória
Passou o João Ratão e disse: - Ó Laurindinha, vem à janela!...
Em cima da horaMandaram-no atrasar a hora e ele lá foi. Tentou tudo, pôs-se-lhe à frente, contou-lhe anedotas, ofereceu-lhe um panike e um sumol, deu-lhe indicações erradas, chegou até a agarrá-la pelo braço, mas o máximo que conseguiu foi atrasá-la dez minutos. Agora não sabe como vai ser...
Convívio
Todos os domingos com chuva, sempre o mesmo dilema: "shopping" ou urgência do hospital? Optava invariavelmente pela urgência do hospital. - Há mais convívio - dizia.
A idade não tem idade
Às vezes penso. Que idade terá uma mulher que diz que tem cinquenta anos?
E assim sucessivamenteA primeira vez, o segundo galarza, o terceiro homem, o quarto poder, a quinta dimensão, o sexto sentido, o sétimo céu, a oitava maravilha, a nona sinfonia, o décimo mandamento, o décimo primeiro alien, o décimo segundo jogador, o décimo terceiro mês, a décima quarta temporada, a décima quinta edição, o décimo sexto colosso, o décimo sétimo andar, a décima oitava emenda, o décimo nono arcano, o vigésimo da lotaria, o vigésimo primeiro batalhão, o vigésimo segundo aminoácido, o vigésimo terceiro álbum, a vigésima quarta hora, e assim sucessivamente.
Do monólogo ao solilóquio
Tomou a palavra logo a seguir a si próprio, desvanecido com tamanha facúndia. Falou, falou, falou, até que a voz lhe doeu. Então sentou-se e aplaudiu-se entusiasticamente.
Missais terra-ar
Portugal enviou missais para a Ucrânia. Pequenos missais de rito bracarense praticamente novos. As ordens eram para mandar mísseis, mas alguém da intendência fez confusão ao aviar a encomenda.
Ordem unida
A incontinência urinária, tomai bem sentido, não é uma cortesia militar!
Um problema
Ele adorava nêsperas. Mas detestava magnórios. E tinha ali um problema.
Prato do dia
O reclame impresso sem erros em papel A4 e colado na portinha de vidro do minúsculo restaurante dizia em letras garrafais: "Prato do Dia - 3,50 euros". E, em letras pequeninas, esclarecia: "Só prato". Manobras publicitárias à parte, prato com comida era realmente uma bocadinho mais caro.
Alta competição
Os erres pagam-se caro. Os emes ficam muito mais em conta.
Viciado em pastilhas
Tomava pastilhas atrás de pastilhas, mas não havia maneira de melhorar. Eram pastilhas de travão e ainda por cima davam-lhe gases.
Como um passarinhoMorreu como um passarinho. Abatido a tiro.
O faquir
Homem que é homem não dorme. Passa pelas brasas. E sem ais nem uis!
Virtudes teologais
Fé, esperança e caridade. A fé move montanhas. A esperança é a última a morrer. E a caridade tem dias.
À batatada
Há muito que andavam esquinudos. Um dia sentaram-se à mesa, barafustaram-se, cresceram-se, amansaram-se, tomaram-se de palavras espertas e resolveram tudo à batatada. Com bacalhau.
O predestinado
O seu aniversário calhava todos os anos no mesmo dia do mesmo mês. Ele achava que era um bom augúrio.
DesempregadoEle andava a comer muito bem. Tinha, aliás, um excelente apetite, mas isso de momento não lhe convinha. Portanto, foi ao médico...
Os mórreres
Sim, os víveres, evidentemente os víveres. E os mórreres?...
De pé, ó vítimas da fome!
- De pé, ó vítimas da fome! - gritou o "speaker"-cantor, enquanto aquecia a plateia para o comício atrasado. O pavilhão estava cheio mas ninguém se levantou. Era uma fraqueza muito grande...
As melhores intençõesDe boas intenções está o frigorífico cheio. Depois, evidentemente, é preciso saber cozinhar.
Pela família, tudo!
Convidou a parentela considerada mais próxima, vinte pessoas e treze crianças. Marcou restaurante para as duas em ponto. Encomendou azeitonas, bacalhau assado no forno e tripas à moda do Porto, bebidas e sobremesa à escolha de cada qual. Pediu pratos de plástico, copos de plástico, talheres de plástico, correntes de ar, moscas e se possível formigas. Era a sua vez de organizar o tradicional piquenique de família e ele queria tudo como deve ser.
Para falar com Deus
Tomou horas, foi para a fila, tirou senha, esperou vez, chamaram-lhe o número, acostou finalmente ao balcão das informações e perguntou: - Para falar com Deus, falo com quem?...
Dão-se alvíssaras
Perdeu a cabeça e pôs anúncio no jornal. Faz-lhe muita falta.
Trabalho dignoLicenciou-se. Fez três mestrados, uma pós-graduação, uma pós-produção e uma pós-tulação. Arranjou trabalho num "call center". O pai, preocupava-o o pai: certamente desiludira o cota. O cota dizia-lhe que não: - Meu filho, qualquer emprego é bom desde que seja honesto. Ainda que assaltes bancos ou roubes velhinhas, se o fizeres honestamente, com o suor do teu rosto, serás sempre o meu orgulho.
"Umas senhoras da Granja que trabalhavam no Posto Médico e passavam pelo nosso largo diziam que eu "até a chorar era bonito" - contava-me a minha mãe, cheia de vaidade, fazendo-me festinhas nos caracóis, e eu gostava. Quando a minha mãe se zangava comigo - e eu às vezes, realmente, mijava fora do penico -, dizia-me que eu tinha sido deixado lá em casa pelos ciganos..."